Panóptico

quinta-feira, 7 de maio de 2009

UM CANTO PARA MARIA

"La noche de los Pobres" (1924), por Diego Rivera         




























Maria botou feijão no fogo
lavou roupa passou ferro
e assistiu à novela da classe média
com um olhar perdido
na tramóia do luxo-lixo burguês
deu uma trepada burocrática
com o seu homem,
caiu no sono e sonhou
com os anjos da casa própria.
levantou-se nas carreiras
deu um tapinha
na bunda do guri:
“s'acorda que mamãe vai trabalhar”.
O garoto se espreguiçou
abriu os olhos e sorriu
como o céu lá fora.
Maria lhe deu um beijo
e saiu pra cozinha.
Preparou a bóia,
tomou um banho frio
e jogou o uniforme dos suados dias
por cima do corpespírito.
Aprontou o guri com pressa
e foi pegar o ônibus da vida.
Maria subiu a rua cheia de encanto
malucando com o seu pirralho.
O sol brincou no sorriso de Maria
e ela foi lutar pelo pão
que o mundo civilizado amassou.
                                                      (Pirro)

OS PÁSSAROS NEGROS ESTÃO AGITADOS HOJE (Charles Bukowski)



(O grande velho Buk tomando uma)

Solitário como um pomar seco e usado
espalhado sobre a terra
para uso e redenção
abatido como um ex-cão guia
atirado na esquina que vende jornais

tomado por lágrimas
como uma velha dançarina de coral
que recebeu suas contas
um desejo, um lenço em ordem com seu deus
com sua adoração

os pássaros negros estão agitados hoje
como unhas encravadas
numa cela que ultrapassa a noite
vinho, vinho gemido
os pássaros negros correm ao redor e

tocando sempre as mesmas melodias
espanholas e ossos
e todo lugar é lugar algum
o sonho é tão ruim quanto
panquecas e pneus vazios.

por que nós seguimos
com nossas mentes
e bolsos cheios de poeira
como um garoto
recém expulso da escola ...
você me diga,
você que foi um herói
em alguma revolução
você que ensina crianças
você que bebe socialmente
você que possuiu largas casas
e caminha em jardins
você que matou um homem
e possui uma bela esposa
você me diga
porque estou no fogo dispensado
como um velho imprestável.

nós certamente teremos
uma interessante correspondência
manteremos o carteiro ocupado
e as borboletas e formigas e pontes e cemitérios
os fabricantes de mísseis
e cachorros e garagens mecânicas
continuaremos ainda
até nos faltarem selos ou idéias.

não se envergonhe de nada
creio que Deus signifique tudo isso
como travas nas portas.
                                                                                     (Charles Bukowski)

sábado, 28 de fevereiro de 2009

AQUARELA BORRADA (por Pirro)
















A propina é descolada na esquina
Ela tem a lei ao seu lado.
O tempo passa banhado em mármore
E apaga rostos e rastros de coturnos.
O ato do usuário já não espanta,
Parece tornado natural.

A corrupção é uma virtude genealógica
Que alimenta e move há séculos
O homo sapiens das regiões tupiniquins.
Sua ginga maquiavélica revela
A fome mísera da alma,
Cuja baba de urubus
Gangrena a Hordem e o Progreço.

O uruburguês financia as pastagens.
As autoridades tangem o gado,
Que o fazem escancarar os dentes
Na falsa alegria dos trios elétricos,
Cujos efeitos entorpecem o estômago
E bestializam a consciência.

A ignorância e o preconceito
São imagens curtas, quadros sem tela
Sob o facho de cérebros ofuscados,
Que emitem verdades-vômito
Sobre tudo e sobre nada,
Jogando apenas conversa fora,
Numa troca interativa de banalidade
                                 e merdasofia.

Diante de minha indignação algemada,
Vejo o sistema impor sua tirania tacanha
Com um copo de uísque entre os dedos
E um cigarro entre os lábios esclerosados,
Enquanto injeta no cérebro do rebanho
Seu caô esfarrapado: “use a cabeça,
                                 não use drogas”,
Como se estivesse lidando
com bestas ou seres retardados
Numa Arena Verde-Amarela
Onde o carrasco comanda os açoites
De uma democracia às avessas.

ARACAJU (por Pirro)












Por que hei de passar as mãos em seus cabelos
se embaixo deles
existe uma grande cabeça oca
arquitetando suas bases e diretrizes?
Por que iria ocultar suas farsas e fossas
embaixo do tapete
como sempre fizeram suas ilustres raposas?
Por que iria tirar as sandálias
e ofertar-lhe poemas e músicas
no dia do seu aniversário
como fazem os artistas
sem sangue da terrinha
estufados de tolices idealistas?
Por que me tornaria um vira-lata
de sua politicalha retórica
que sempre soube domesticar
o espírito do rebanho
com suas emendas e tapa-buracos?
Por que teria de compartilhar
com suas lições de moral
e cacarejar suas rezas doentias ou fingidas,
se minha fé foi plantada
na saúde selvagem
dos desregrados da Terra?
Por que iria me lambuzar
em seus carnavais ridículos
se me deparo
com uma admirável merdosofia
lustrando seu intestino grosso provinciano?
Na verdade, não vivo por conveniência
de guardanapos
deslizando delicadamente na boca da alta roda.
Não tenho o orgulho besta
de seus urbanóides queridos
nem a "urbanidade" gramatical
do professor John.
Prefiro pichar respeitosamente
as fachadas barrocas
de sua culturanemia tecnoescatológica.
Como Bukowski acariciou 
                      os muros de Los Angeles,
assim eu pinto um diabo-máscara
nas ruas de Aracaju.

                                                                             (Pirro)



DE HOMENS E URUBUS (por Pirro)


Era uma vez
o sertão
a fome
a canalha política
sombras de ignorância
nas garras dos urubus.
(Pirro)

NA ADMIRÁVEL PROVÍNCIA (dos pensadores)

"Thinker on a Rock" (1997) by Barry Flanagan






























Sob o céu desta admirável província aracajuana
um monstro medíocre 
            se arrasta com cara de santo
Monóxido de mediocridade e farsas
                  cai sobre o seu telhado
como uma tarde de sábado sem birita 
e estucada de poluição sonorabaiana.


A miasma que sai dos bueiros do Bugio
aos pântanos e belas chácaras do Mosqueiro
deforma a sincronia do discurso bem-posto,
enferruja o meu sorriso fácil.
Os meus gestos são próprios
de um maluco inconformado
que mal consegue comunicar-se
onde não há mais comunicação,
apenas elogio de máscaras e exibição.


Do meu livre quintal-mundo,
assisto de relance os ratos bem vestidos
piorarem a geografia da terra dos papagaios,
a gana civilizada e grãfina de frustrados
se arrastam e beijam o cu do poder 
                           e as lentes das tvs.
Então sinto ironicamente
a cratera na crosta do estômago
ante o bater de asas 
           de poetas parasitas e afrescalhados
que cagam belas e ilustríssimas 
 palavras de servos na língua presa 
           de Araripe sa(b)idinho.


Longe disso tudo, percebo 
           que a vida dos desdentados,
é sempre aquele intervalo brusco
em que a porra da polícia metralha:
Parado aí! Mãos na cabeça!
Eis, de fato, o instante temido
no qual a vítima tem os culhões algemados
confinado a vexames, porradas e latidos,
enquanto o sol brilha nos dentes da burroguesia
e no abraço-cúmplice 
                     de Marcelo Déda e João Alves.
                                                                                                                   (Pirro)

domingo, 24 de dezembro de 2000

CONTO DE NATAL (por Pirro)
















           
            O sol morre aos poucos por trás das antenas e torres da cidade dos cajueiros. Vista do lado da Barra, Aracaju parece uma tragicomédia. Fumando um e vendo a cidade de frente, é como ler um livro de John Fante no inferno de Los Angeles, sem ser tocado por qualquer ilusão de merda. Quase a nossa frente, uma imensa árvore de natal é o centro do espírito natalino, iluminando as águas do Sergipe e o ego da Beverly Hills da 13 de Julho. Lá atrás da árvore, o Shopping Rio-Mar parece uma toca reluzente de papagaios. Vejo a lua surgir medrosa, se espatifando no edifício Mansão Van Gogh de concreto e vidro, onde senhoras burguesas de Aracaju se exibem de intelectuais refinadas. O fedor do Rio Sergipe sopra em minhas narinas. Bebo mais uma cachacinha e mordo um pedaço de caju. Eu e os camaradas estávamos cervejando no Bar da Galega, na Atalaia Nova, observando o barulho urbanóide da cidade.
“O que acha, Pardal, dessa árvore?” Perguntou-me Caburé.
Uma merda iluminada, bicho. Parece a torre de uma Babel de vidro.
“É nada. Parece a bomba atômica lascando Hiroshima”
“Muito, massa.” Filé pigarrea engolindo uma dose de pitu. Olho para Filé, ele com aqueles dentes quebrados. A árvore de natal reluzindo em sua cara.
“Massa, uma desgraça, porra. Esse caralho custou uma grana. Quem acaba pagando são os fodidos.” Falei. Não sei por que, mas de vez em quando, fico meio agressivo.
“Talvez seja essa cidade cheia de idiotas, que tá foda, Pardal! Foda mesmo.”
            Eu concordei com as palavras de Caburé.
“Não sei, talvez eu seja um cara injuriado, que fuma um baseado para pensar melhor sobre o lixo jogado aos nossos pés.” Falei.
“Meu fio, ano passado se foderam três escravos que trabalhavam para montar essa árvore.” Neto Oião falou, bebendo um gole de cerveja e a monstruosa árvore de natal refletindo em seus óculos. “Isso me faz lembrar o Moloch que Allen Ginsberg viu em São Francisco, chapado de peiote. ‘Que esfinge de cimento e alumínio arrombou seus crânios e devorou seus cérebros e imaginação? Moloch! Solidão! Sujeira! Fealdade! Latas de lixo e dólares inatingíveis / Moloch cuja mente é pura maquinaria! Moloch cujo sangue é dinheiro corrente / Eles quebraram suas costas levantando Moloch ao Céu! Calçamentos, árvores, rádios, toneladas! Levantando a cidade ao Céu que existe e está em todo lugar ao nosso redor! / Desabamentos! Sobre o rio! Saltos, crucifixões! Descendo a correnteza! ’. É isso o que vejo também diante do bibelô elétrico da Energisa".
"Foda mesmo... energizando a cabeça dos urbanóides".
Porra, do caralho! Esse poema do Ginsberg. Eu disse quase como um grito.
“O pior ainda: tem gente que vai soltar fogos na inauguração. É foda”. Chegou falando Bento Negão abrindo uma cerveja.
“Os políticos endoçam e os jornalistas exaltam, cara. Tudo uma maravilha!”
“Fazer o que. É o espírito de natal, porra”
“Um remédio e tanto para enganar os bestas.”
“É foda, mesmo”. Repetia Caburé.
“E ainda por cima, ouvindo pagode e essas bandas fuleiras de forró eletrônico”. Disse ele.
Depois o silêncio beija o assoalho e as paredes do Bar da Galega. Todos nós ficamos como mergulhados no universo e em seu caos. O vento sopra na prainha da Atalaia Nova. O Bar da Galega parecia uma academia de meditadores.Todos nós parados e pensando sobre aquilo tudo, enquanto a roda continua girando e o catch a fire rondando nas ondas sonoras do planeta. Do outro lado de Aracaju, vem o som nervoso das buzinas e o ronco dos motores. transgrido o silêncio e pergunto, tirando o cd Da lama ao caos de dentro da mochila:
“Galega, sei que você, aqui, é a dona do pedaço, mas é o seguinte: tem como botar um Rock and roll pra rolar?
“Oxente, Pardal. aqui você manda”.
“Rapaz, pelo jeito, vocês dois vão acabar no pedaço da cama”. Falou Caburé, botando a mão na boca para não soltar a gaitada de vez.
“Que isso, Caburé, o cara é casado”, Disse a Galega sentando entre Neto Oião e Bento Negão.
“Tá! aí deu! Tem caras solteiros por aqui também. Ela pode escolher um, se quiser”. Disse Filé.
“Vá tomar no seu cu preto, Filé. Não estou a fim de escolher ninguém”
            Zezinho que não havia falado nada até então, e só fazia ri, deu uma guinada na doideira toda. Começa a contar uma história. Sobre o menino Jesus. Fico ligado. Um Pardal que se preze , tem de catar as lêndeas de cada fio de cabelo dessa vida.
“Eu lembro quando Maria foi ter Jesus... Se ligue. Os vizinhos falaram que ele foi o guri mais sonso da redondeza”.
            Todos ficamos ali parados. Eu começo a ri.
“Se ligue. Saiu um boato que Maria tinha saído com um soldado...”
“Que, caralho, véio! Você é doido.” Filé sacudiu a cabeça.
“Não, porra. É verdade.”
“Verdade! Você viu Jesus nascer? Você conhece a história de Jesus?!.”
“Não, porra. Não é o Jesus Jesus”.
“Ah, porra. Pensei que era o Jesus Jesus mesmo”.
Se ligue. O soldado era da Polícia Militar. Véio, José ficou furioso, quando soube do boato. Tomou umas pingas e meteu a cara no esgoto de uma rua do Lamarão, onde morava. Arrombou a testa no meio fio. Se ligue. Sorte dele, foi que os tempos de se montar em jumento, quando se era corneado, já tinham passados. Senão, José estava fudido. Maria sempre jurou de pé junto que nunca fez isso. Dizia que era a língua diabólica de Dona Ester. Com o tempo José ficou tranqüilo. Aprendeu a fumar maconha e relaxou. Perdôo Maria. Jesus crescia e tinha os olhos castanhos e cabelo sarará, além do mais era zanôio”.
“Caralho, Zezinho, conte outra história, vá. só botam para foder com as marias e os josés, meu.”
“É foda, mesmo”.
“A vida não é um conto de natal, Galega”, disse Neto Ôião.
“É essa doideira mesmo!”. Acrescentou Bento Negão.
“Pois é”.
Se ligue. Jesus foi crescendo. Maria levava o menino Jesus para a Igreja todos os dias. E ela, por sua vez, ia toda de vermelho à missa. Até que um dia um padre perguntou para Maria: ‘Maria, por que você vem de vermelho para a santa igreja?’ Maria não titubeou. ‘O vermelho é a cor do sangue de Jesus Cristo, padre. E a ele sou grata, por ter salvado meu casamento, padre. Pondo uma santa pedra nas agonias de minha alma, padre’”.
Se ligue...”
“Porra, deixe de repetir ‘se ligue’, Zezinho. ‘Se ligue’ que só o caralho!”
“Porra, Neto Oião, é vício de linguagem”
“Sim, e de drogas também”. Disse Neto Oião, tirando onda e soltando seu semblante.
“Porra, Neto, também, também. Agora se ligue. Jesus foi ficando homem. Mas pensava que seu membro viril era só para mijar. Um belo dia, ele tava deitado na cama perdido no mundo mágico da televisão. Sem nada para mexer com as mãos nem brinquedos para quebrar, começou a bulinar a porra dele. Aquele negócio foi ficando confortante, a sensação era como tomar ácido. Sem perceber, Jesus já tava batendo sua primeira punheta. Com o tempo, Jesus ficou um craque em punheta, apesar das advertências dos padres: ‘não se metam com os animais nem com as mãos. Isso fere a lei de Deus’. Muito tempo depois, Jesus conheceu Maria Madalena. Nunca vi, mas dizem que Madalena tinha uma buceta do tamanho do estuário do Sergipe, mas o corte era do tamanho da ponte Barra-Aracaju”
“Porra, essa era uma jéga!”. Disse Filé.
“Madalena era zanôia e filha do soldado que dizem ter comido Maria de José, o carroceiro do Lamarão, pai de Jesus...”
“Ói que bolo!” Falou Caburé.
“Se ligue. Jesus e Maria Madalena se pareciam e tinham o mesmo cabelo sarará. A língua do povo começou a coçar logo no período de natal. Quando Jesus comeu Maria Madalena no curral de José, seu pai. Anunciando depois o casamento. Maria soube de quem Madalena era filha e entrou em desespero. José ficou coçando as pulgas da cabeça. No dia de Natal, Maria andava em silêncio e de hora em hora ia e vinha da igreja. Ela ficava cinco minutos ajoelhada e pedia permissão a deus para ajudá-la. Na ceia de Natal, Jesus rompeu a sala da família chorando aos gritos. Ele encontrou Maria Madalena morta com uma facada no pescoço. O assassino ninguém sabe, ninguém viu...”
“Mermão, que história cabulosa”. Disse Filé.
“E trágica pra caralho!”
“Porra, lembrei de Médeia”. Eu falei, entregando The doors para a Galega botar no toca cd.
“... Depois disso, Maria mãe de Jesus não deixava de ir à igreja um dia sequer. Diziam que ela beijava a estátua de Jesus Cristo como a devota mais piedosa e ao mesmo tempo alegre, como se agradecesse por algum santo milagre.”
            Zezinho abre a garrafa de pitu. Enche o copo, e bebe uma golada de lascar o cano! Morde um pedaço de caju e grita:
“Deus está morto e que papai noel vá tomar no cu”.
            Suas palavras varam as luzes da árvore de natal e fustigam as águas do Sergipe. Encho os copos e Bento Negão pede mais duas cervejas. A roda começa a rolar e a fumaça serpenteando acima de nós. The End roça nossos ouvidos e cabelos e Jim Morrison rosna como um cão louco de raiva, mordendo o traseiro de nossa civilização.