Panóptico

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

COME ON, BABY (por Pirro)


(Genesis by Robert Crumb)

Ok, garota, confesso,
eu sei que há uma pedra em meu sapato
mas o deus da sacanagem segredou-me
os mistérios da vida e nos abençoou.
Monte na serpente embriagada;
o pecado é uma ilusão do medo –
Vem, belo animal,
trepe comigo, só esta noite.
Ah, esqueci.
Você é uma casta devota
de dourados castelos
à espera do palhaço encantado
ornado de olhos macios e camisa de seda
como os “ídolos” da televisão.
Saiba que com o tempo
o coração acaba desembestando
em gruídos de beatas
rabugentas e frustradas.
Por que contemplar
um deserto judaico de dor?
Queime a bíblia, destrua a Igreja,
se lance como uma pantera
em torno da bela carniça,
Solte as lavas de seu vulcão
estrogenado,
você é pura nitroglicerina!

“Come on baby, light my fire”!
Não represe seu indomável corpo,
pensando no que os idiotas vão falar,
o vizinho é um parasita moral
que vê maldade até num macaco
descascando banana.
Vamos rezar na Sacra Orgia
“dancing in the dark”
como dois demônios dionisíacos.
(Já pensou, foder no altar
num dia de ação de graças!)
O céu e o inferno transpiram
na castidade de nossa carne, pulsões e mente
num frenesi ditirâmbico
de delicadezas, embates e metidas.
Ah, esqueci.
Você é uma moça de família
com pose de “papai-e-mamãe”,
mas eu sei qual é a sua,
no fundo deseja ser bem tratada.
Me diga, vítima das madames mascaradas,
por que se encantar
com as fachadas cor-de-rosa
computando dívidas e dúvidas?
Pense nos sacerdotes
batendo punhetas claustrofóbicas,
ou nas “irmãs” que em vão
põem cadeados em seus clitóris,
lembre-se de Betsabá
num deserto de volúpia, júbilo e dor,
e arranque essa couraça metafísica e rude
que sufoca o vulcão entre suas pernas.
Não tenha medo dos lobos famintos
que uivam sob sua janela,
afinal, você é pura nitroglicerina.

Come on, anjo louco,
acenda meu cigarro só esta noite,
trepe comigo como se fosse a última vez
pensando nas reflexões chapadas
do velho Henry Miller
para que dancemos bêbados
no prazer de existir.
Sinta os milagres de um deus ereto
girando
em torno e dentro
de seu “pussy planet” –
cheio de alucinógeno e ditirambo.
Mas quando o monte Citéron
de nossos instintos pegar fogo,
não renegue sua sagrada animalidade
como fez a beata elisabetana
Katherine Stubbes
que execrou sua cadelinha de estimação
mergulhando no céu crucificado
de sua neurótica ilusão.
Como on, baby, acenda o meu fogo!
O tempo ri dos indecisos e medrosos
e abençoa os ousados
que se lançam ao proibido.
(Pirro)

domingo, 29 de novembro de 2009

É NATAL (por Pirro)


É natal, tempo de assegurar
1m² de céu no paraíso.
O fetiche uruburguês capitalista
surge em seu trenó encantado
com sua bondade
de barbas brancas
entorpecendo o espírito da manada
ante o narcótico
de sua gargalhada sincera.
Trancado a sete chaves
durante onze meses em algum cofre
no glacial ártico da humanidade,
o amor ao próximo floresce
nos canteiros da cidade
se expande como um boato
bem intencionado.
Através da sedutora máscara do velho,
a alegria transparece
nos rostos estranhos
tão duradoura como fogos de artifícios.
É natal. Oh, é natal!
mas quando olhamos sem querer
o outro lado da cidade
nos subterrâneos dos bairros
e sertões afora,
lembramos que natal e papai noel
não passam
de uma brincadeira sem graça
inventada para a ilusão
dos idiotas da Terra.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

ESTOU GASTO COMO MEUS SAPATOS (Sérgio Dedão)


guerra é paz
liberdade é escravidão
ignorância é força”
(George Orwell - 1984)

Estou gasto
como meus sapatos
Tenho vivido e andado
muito
Absorvido por meus pensamentos
Pensamentos tão gastos
quanto as solas de meus sapatos
Roubei muitas idéias
e
misturei com minha
mente atômica
Pinceladas atômicas
em um mundo sem cor
Sem cor não é o mundo
São as pessoas quando
estão tristes
Disparo palavras
em um mundo blindado
de violência e pobreza
Sinto-me longe de mim
mesmo.
Perdido em um oceano
de idéias fixas-móveis
Sou um megalomaníaco
atado por minhas próprias idéias
Estou gasto
como meus sapatos
Não quero salvar o mundo
Ele não quer ser salvo
A transformação da realidade
é
uma
responsabilidade
e
uma
escolha
subjetiva
A matrix é um mundo para poucos.
A verdade é um mundo para poucos.
A estupidez é um mundo para muitos.
A ignorância é um mundo para muitos.
Se sua apatia é uma síndrome.
Se sua indiferença é um câncer.
Se sua alma é podre.
Responsabilize-se por você.
Você entendeu?
Você está pronto?
Você ressucitou-se de seu mundo
de consumo e controle?
Responsabilidade e escolha
são palavras reais.
Ser livre
é
uma
responsabilidade
e
uma
escolha
Você me entendeu?
Estou gasto
como os meus sapatos.

(Sergio “Dedão”)
    24/05/2007

domingo, 20 de setembro de 2009

SAUDAÇAO AOS PAPAGAIOS (por Pirro)


O McDonald’s invadiu Aracaju,
             numa euforia folclórica
os papagaios devoram
             o símbolo do progresso
desprezando o cuscuz,
                     o feijão e a farinha
que mata a fome e sossega o animal.

Esses papagaios majestosos
                           engolem por status
a griffe luxuosa de rações in fashion,
               depois arrotam com finezas
a filosofia da boa saúde e do bom tom
embalado com suas reflexões profundas
no pagode da culturalite brasileira.

Extra! Extra! Extra!
Saiu nos jornais da cidade:
“o McDonald’s conduzirá
os papagaios da terra ao novo paraíso”.
Diante da boa nova
seus espíritos cavalgam no dorso
de seus entusiasmos coloridos
cutucados pelo sonho Beverly Hills
                                  da 13 de julho
como numa propaganda romântica
          de telefone celular.

Come on, my brother, saudemos
a novidade dos sanduíches de ouro
com overdoses de carnaval
e tiaras de caju.
Yeah! A alegria borbulha
           no estômago da cidade.
Realmente nada mais importa, yes!
O importante é estar no centro
com a cabeça cheia de oxigênio
soprando lorotas e logomarcas.
Me-digam papagaios dourados:
esse é o único sentido da vida,
de seus dias tão célebres e felizes
no teatro de seus jogos e diversões?
                                                                   (Pirro)

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

MANDAKARU (por Pirro)

“Sou como mandacaru: nem dá sombra,
nem dá encosto”
(expressão popular)


Neste ermo de catingas e brenhas,
se enraíza meu esqueleto de cacto
a refletir sua arquitetura desleixada
na tela do pôr do sol do SERtão.
Quando estranho o absurdo em mim
descubro a virtus de meus espinhos
e me flagro Mandakaru.

Privado de belas folhagens
me adapto à seca desolação.
Com fome de tempestade
tento me erguer como um carcará
mas eu não posso sair de mim
nem me transformar em camaleão:
Minha sina é projetar espinhos
pois sou Mandakaru.

Assim real e vivo como um teiú
vagando pelos confins dos sertões
escuto o canto dos caburés noturnos
e sinto as taças noctifloras do corpoespírito
revelarem-se através de meus poros
que se adensam em bemalmequer:
eis os contrários à flor dos espinhos
deste ser Mandakaru.

Carrego em meu semblante sulcado
como a terra de meus pais e avós,
a tirania das longas estiagens
bem como a violência das trovoadas,
que arrasta em sua espiral
fragmentos de vidas e utopias;
mas continuo sobrevivendo às catástrofes
e resistindo aos meus próprios espinhos:
Afinal, sou Mandakaru.
                                                                             (Pirro)


segunda-feira, 27 de julho de 2009

RAIMUNDO JACARÉ DÔIDO (por Pirro)

Toda cidade que se preza
tem de ter um louco varrido
para lembrar
aos ditos normais
que sua proclamada razão
é tão escorregadia
quanto casca de banana:
Eis aqui Raimundo Jacaré
o aluado de Itabi,
que faz cara feia quando estar faminto
e dança quando come uma bacia de cuscuz.




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domingo, 19 de julho de 2009

SOBRE AS CINZAS DE DEUS (por Pirro)

"Cristo morto" - by Maurizio Bottoni (2004) Colezione dell'artist - Milano
O estômago se retorce de náusea
pelas mentiras metafísicas
que tentam cortar as asas
qual tesoura afiadíssima
para esbarrar o devir dos dias
ante o feitiço de suas verdades.
Mas, meu olhar anormal entrevê
um paraíso absurdo encravado
na musculatura nervosa
do platonismo cristão.
Um deus ridículo chora de dor
apreciando
suas pobres mãos crivadas de prego
desafiando
a vontade de viver.
Diante dessa visão do hospício-homem,
balanço a cabeça
e lanço-me na tempestade
sob a embriaguez do sol.
Como um pássaro negro
furo o mau olhado
dos destruidores da terra.
Bêbado como um cachorro,
afago minha máscara
e gargalho alto na praça
onde prostitutas cheirosas
rondam o poço em transe dos homens.
Mais vivo do que nunca
celebro a vida do Pirro
sem metafísica
e passo a amar a tempestade
num rosto de mulher.
Danço na companhia de Raimundo dôido
de Itabi
e entro em comunhão com o mundo
cantando os hinos-Terra de Walt Whitman
e andando sobre as cinzas de deus
pelas ruas de Aracaju.
                                                                 (Pirro, participação especial de Beto Oião)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

UM CANTO PARA MARIA

"La noche de los Pobres" (1924), por Diego Rivera         




























Maria botou feijão no fogo
lavou roupa passou ferro
e assistiu à novela da classe média
com um olhar perdido
na tramóia do luxo-lixo burguês
deu uma trepada burocrática
com o seu homem,
caiu no sono e sonhou
com os anjos da casa própria.
levantou-se nas carreiras
deu um tapinha
na bunda do guri:
“s'acorda que mamãe vai trabalhar”.
O garoto se espreguiçou
abriu os olhos e sorriu
como o céu lá fora.
Maria lhe deu um beijo
e saiu pra cozinha.
Preparou a bóia,
tomou um banho frio
e jogou o uniforme dos suados dias
por cima do corpespírito.
Aprontou o guri com pressa
e foi pegar o ônibus da vida.
Maria subiu a rua cheia de encanto
malucando com o seu pirralho.
O sol brincou no sorriso de Maria
e ela foi lutar pelo pão
que o mundo civilizado amassou.
                                                      (Pirro)

OS PÁSSAROS NEGROS ESTÃO AGITADOS HOJE (Charles Bukowski)



(O grande velho Buk tomando uma)

Solitário como um pomar seco e usado
espalhado sobre a terra
para uso e redenção
abatido como um ex-cão guia
atirado na esquina que vende jornais

tomado por lágrimas
como uma velha dançarina de coral
que recebeu suas contas
um desejo, um lenço em ordem com seu deus
com sua adoração

os pássaros negros estão agitados hoje
como unhas encravadas
numa cela que ultrapassa a noite
vinho, vinho gemido
os pássaros negros correm ao redor e

tocando sempre as mesmas melodias
espanholas e ossos
e todo lugar é lugar algum
o sonho é tão ruim quanto
panquecas e pneus vazios.

por que nós seguimos
com nossas mentes
e bolsos cheios de poeira
como um garoto
recém expulso da escola ...
você me diga,
você que foi um herói
em alguma revolução
você que ensina crianças
você que bebe socialmente
você que possuiu largas casas
e caminha em jardins
você que matou um homem
e possui uma bela esposa
você me diga
porque estou no fogo dispensado
como um velho imprestável.

nós certamente teremos
uma interessante correspondência
manteremos o carteiro ocupado
e as borboletas e formigas e pontes e cemitérios
os fabricantes de mísseis
e cachorros e garagens mecânicas
continuaremos ainda
até nos faltarem selos ou idéias.

não se envergonhe de nada
creio que Deus signifique tudo isso
como travas nas portas.
                                                                                     (Charles Bukowski)

sábado, 28 de fevereiro de 2009

AQUARELA BORRADA (por Pirro)
















A propina é descolada na esquina
Ela tem a lei ao seu lado.
O tempo passa banhado em mármore
E apaga rostos e rastros de coturnos.
O ato do usuário já não espanta,
Parece tornado natural.

A corrupção é uma virtude genealógica
Que alimenta e move há séculos
O homo sapiens das regiões tupiniquins.
Sua ginga maquiavélica revela
A fome mísera da alma,
Cuja baba de urubus
Gangrena a Hordem e o Progreço.

O uruburguês financia as pastagens.
As autoridades tangem o gado,
Que o fazem escancarar os dentes
Na falsa alegria dos trios elétricos,
Cujos efeitos entorpecem o estômago
E bestializam a consciência.

A ignorância e o preconceito
São imagens curtas, quadros sem tela
Sob o facho de cérebros ofuscados,
Que emitem verdades-vômito
Sobre tudo e sobre nada,
Jogando apenas conversa fora,
Numa troca interativa de banalidade
                                 e merdasofia.

Diante de minha indignação algemada,
Vejo o sistema impor sua tirania tacanha
Com um copo de uísque entre os dedos
E um cigarro entre os lábios esclerosados,
Enquanto injeta no cérebro do rebanho
Seu caô esfarrapado: “use a cabeça,
                                 não use drogas”,
Como se estivesse lidando
com bestas ou seres retardados
Numa Arena Verde-Amarela
Onde o carrasco comanda os açoites
De uma democracia às avessas.

ARACAJU (por Pirro)












Por que hei de passar as mãos em seus cabelos
se embaixo deles
existe uma grande cabeça oca
arquitetando suas bases e diretrizes?
Por que iria ocultar suas farsas e fossas
embaixo do tapete
como sempre fizeram suas ilustres raposas?
Por que iria tirar as sandálias
e ofertar-lhe poemas e músicas
no dia do seu aniversário
como fazem os artistas
sem sangue da terrinha
estufados de tolices idealistas?
Por que me tornaria um vira-lata
de sua politicalha retórica
que sempre soube domesticar
o espírito do rebanho
com suas emendas e tapa-buracos?
Por que teria de compartilhar
com suas lições de moral
e cacarejar suas rezas doentias ou fingidas,
se minha fé foi plantada
na saúde selvagem
dos desregrados da Terra?
Por que iria me lambuzar
em seus carnavais ridículos
se me deparo
com uma admirável merdosofia
lustrando seu intestino grosso provinciano?
Na verdade, não vivo por conveniência
de guardanapos
deslizando delicadamente na boca da alta roda.
Não tenho o orgulho besta
de seus urbanóides queridos
nem a "urbanidade" gramatical
do professor John.
Prefiro pichar respeitosamente
as fachadas barrocas
de sua culturanemia tecnoescatológica.
Como Bukowski acariciou 
                      os muros de Los Angeles,
assim eu pinto um diabo-máscara
nas ruas de Aracaju.

                                                                             (Pirro)



DE HOMENS E URUBUS (por Pirro)


Era uma vez
o sertão
a fome
a canalha política
sombras de ignorância
nas garras dos urubus.
(Pirro)

NA ADMIRÁVEL PROVÍNCIA (dos pensadores)

"Thinker on a Rock" (1997) by Barry Flanagan






























Sob o céu desta admirável província aracajuana
um monstro medíocre 
            se arrasta com cara de santo
Monóxido de mediocridade e farsas
                  cai sobre o seu telhado
como uma tarde de sábado sem birita 
e estucada de poluição sonorabaiana.


A miasma que sai dos bueiros do Bugio
aos pântanos e belas chácaras do Mosqueiro
deforma a sincronia do discurso bem-posto,
enferruja o meu sorriso fácil.
Os meus gestos são próprios
de um maluco inconformado
que mal consegue comunicar-se
onde não há mais comunicação,
apenas elogio de máscaras e exibição.


Do meu livre quintal-mundo,
assisto de relance os ratos bem vestidos
piorarem a geografia da terra dos papagaios,
a gana civilizada e grãfina de frustrados
se arrastam e beijam o cu do poder 
                           e as lentes das tvs.
Então sinto ironicamente
a cratera na crosta do estômago
ante o bater de asas 
           de poetas parasitas e afrescalhados
que cagam belas e ilustríssimas 
 palavras de servos na língua presa 
           de Araripe sa(b)idinho.


Longe disso tudo, percebo 
           que a vida dos desdentados,
é sempre aquele intervalo brusco
em que a porra da polícia metralha:
Parado aí! Mãos na cabeça!
Eis, de fato, o instante temido
no qual a vítima tem os culhões algemados
confinado a vexames, porradas e latidos,
enquanto o sol brilha nos dentes da burroguesia
e no abraço-cúmplice 
                     de Marcelo Déda e João Alves.
                                                                                                                   (Pirro)

domingo, 24 de dezembro de 2000

CONTO DE NATAL (por Pirro)
















           
            O sol morre aos poucos por trás das antenas e torres da cidade dos cajueiros. Vista do lado da Barra, Aracaju parece uma tragicomédia. Fumando um e vendo a cidade de frente, é como ler um livro de John Fante no inferno de Los Angeles, sem ser tocado por qualquer ilusão de merda. Quase a nossa frente, uma imensa árvore de natal é o centro do espírito natalino, iluminando as águas do Sergipe e o ego da Beverly Hills da 13 de Julho. Lá atrás da árvore, o Shopping Rio-Mar parece uma toca reluzente de papagaios. Vejo a lua surgir medrosa, se espatifando no edifício Mansão Van Gogh de concreto e vidro, onde senhoras burguesas de Aracaju se exibem de intelectuais refinadas. O fedor do Rio Sergipe sopra em minhas narinas. Bebo mais uma cachacinha e mordo um pedaço de caju. Eu e os camaradas estávamos cervejando no Bar da Galega, na Atalaia Nova, observando o barulho urbanóide da cidade.
“O que acha, Pardal, dessa árvore?” Perguntou-me Caburé.
Uma merda iluminada, bicho. Parece a torre de uma Babel de vidro.
“É nada. Parece a bomba atômica lascando Hiroshima”
“Muito, massa.” Filé pigarrea engolindo uma dose de pitu. Olho para Filé, ele com aqueles dentes quebrados. A árvore de natal reluzindo em sua cara.
“Massa, uma desgraça, porra. Esse caralho custou uma grana. Quem acaba pagando são os fodidos.” Falei. Não sei por que, mas de vez em quando, fico meio agressivo.
“Talvez seja essa cidade cheia de idiotas, que tá foda, Pardal! Foda mesmo.”
            Eu concordei com as palavras de Caburé.
“Não sei, talvez eu seja um cara injuriado, que fuma um baseado para pensar melhor sobre o lixo jogado aos nossos pés.” Falei.
“Meu fio, ano passado se foderam três escravos que trabalhavam para montar essa árvore.” Neto Oião falou, bebendo um gole de cerveja e a monstruosa árvore de natal refletindo em seus óculos. “Isso me faz lembrar o Moloch que Allen Ginsberg viu em São Francisco, chapado de peiote. ‘Que esfinge de cimento e alumínio arrombou seus crânios e devorou seus cérebros e imaginação? Moloch! Solidão! Sujeira! Fealdade! Latas de lixo e dólares inatingíveis / Moloch cuja mente é pura maquinaria! Moloch cujo sangue é dinheiro corrente / Eles quebraram suas costas levantando Moloch ao Céu! Calçamentos, árvores, rádios, toneladas! Levantando a cidade ao Céu que existe e está em todo lugar ao nosso redor! / Desabamentos! Sobre o rio! Saltos, crucifixões! Descendo a correnteza! ’. É isso o que vejo também diante do bibelô elétrico da Energisa".
"Foda mesmo... energizando a cabeça dos urbanóides".
Porra, do caralho! Esse poema do Ginsberg. Eu disse quase como um grito.
“O pior ainda: tem gente que vai soltar fogos na inauguração. É foda”. Chegou falando Bento Negão abrindo uma cerveja.
“Os políticos endoçam e os jornalistas exaltam, cara. Tudo uma maravilha!”
“Fazer o que. É o espírito de natal, porra”
“Um remédio e tanto para enganar os bestas.”
“É foda, mesmo”. Repetia Caburé.
“E ainda por cima, ouvindo pagode e essas bandas fuleiras de forró eletrônico”. Disse ele.
Depois o silêncio beija o assoalho e as paredes do Bar da Galega. Todos nós ficamos como mergulhados no universo e em seu caos. O vento sopra na prainha da Atalaia Nova. O Bar da Galega parecia uma academia de meditadores.Todos nós parados e pensando sobre aquilo tudo, enquanto a roda continua girando e o catch a fire rondando nas ondas sonoras do planeta. Do outro lado de Aracaju, vem o som nervoso das buzinas e o ronco dos motores. transgrido o silêncio e pergunto, tirando o cd Da lama ao caos de dentro da mochila:
“Galega, sei que você, aqui, é a dona do pedaço, mas é o seguinte: tem como botar um Rock and roll pra rolar?
“Oxente, Pardal. aqui você manda”.
“Rapaz, pelo jeito, vocês dois vão acabar no pedaço da cama”. Falou Caburé, botando a mão na boca para não soltar a gaitada de vez.
“Que isso, Caburé, o cara é casado”, Disse a Galega sentando entre Neto Oião e Bento Negão.
“Tá! aí deu! Tem caras solteiros por aqui também. Ela pode escolher um, se quiser”. Disse Filé.
“Vá tomar no seu cu preto, Filé. Não estou a fim de escolher ninguém”
            Zezinho que não havia falado nada até então, e só fazia ri, deu uma guinada na doideira toda. Começa a contar uma história. Sobre o menino Jesus. Fico ligado. Um Pardal que se preze , tem de catar as lêndeas de cada fio de cabelo dessa vida.
“Eu lembro quando Maria foi ter Jesus... Se ligue. Os vizinhos falaram que ele foi o guri mais sonso da redondeza”.
            Todos ficamos ali parados. Eu começo a ri.
“Se ligue. Saiu um boato que Maria tinha saído com um soldado...”
“Que, caralho, véio! Você é doido.” Filé sacudiu a cabeça.
“Não, porra. É verdade.”
“Verdade! Você viu Jesus nascer? Você conhece a história de Jesus?!.”
“Não, porra. Não é o Jesus Jesus”.
“Ah, porra. Pensei que era o Jesus Jesus mesmo”.
Se ligue. O soldado era da Polícia Militar. Véio, José ficou furioso, quando soube do boato. Tomou umas pingas e meteu a cara no esgoto de uma rua do Lamarão, onde morava. Arrombou a testa no meio fio. Se ligue. Sorte dele, foi que os tempos de se montar em jumento, quando se era corneado, já tinham passados. Senão, José estava fudido. Maria sempre jurou de pé junto que nunca fez isso. Dizia que era a língua diabólica de Dona Ester. Com o tempo José ficou tranqüilo. Aprendeu a fumar maconha e relaxou. Perdôo Maria. Jesus crescia e tinha os olhos castanhos e cabelo sarará, além do mais era zanôio”.
“Caralho, Zezinho, conte outra história, vá. só botam para foder com as marias e os josés, meu.”
“É foda, mesmo”.
“A vida não é um conto de natal, Galega”, disse Neto Ôião.
“É essa doideira mesmo!”. Acrescentou Bento Negão.
“Pois é”.
Se ligue. Jesus foi crescendo. Maria levava o menino Jesus para a Igreja todos os dias. E ela, por sua vez, ia toda de vermelho à missa. Até que um dia um padre perguntou para Maria: ‘Maria, por que você vem de vermelho para a santa igreja?’ Maria não titubeou. ‘O vermelho é a cor do sangue de Jesus Cristo, padre. E a ele sou grata, por ter salvado meu casamento, padre. Pondo uma santa pedra nas agonias de minha alma, padre’”.
Se ligue...”
“Porra, deixe de repetir ‘se ligue’, Zezinho. ‘Se ligue’ que só o caralho!”
“Porra, Neto Oião, é vício de linguagem”
“Sim, e de drogas também”. Disse Neto Oião, tirando onda e soltando seu semblante.
“Porra, Neto, também, também. Agora se ligue. Jesus foi ficando homem. Mas pensava que seu membro viril era só para mijar. Um belo dia, ele tava deitado na cama perdido no mundo mágico da televisão. Sem nada para mexer com as mãos nem brinquedos para quebrar, começou a bulinar a porra dele. Aquele negócio foi ficando confortante, a sensação era como tomar ácido. Sem perceber, Jesus já tava batendo sua primeira punheta. Com o tempo, Jesus ficou um craque em punheta, apesar das advertências dos padres: ‘não se metam com os animais nem com as mãos. Isso fere a lei de Deus’. Muito tempo depois, Jesus conheceu Maria Madalena. Nunca vi, mas dizem que Madalena tinha uma buceta do tamanho do estuário do Sergipe, mas o corte era do tamanho da ponte Barra-Aracaju”
“Porra, essa era uma jéga!”. Disse Filé.
“Madalena era zanôia e filha do soldado que dizem ter comido Maria de José, o carroceiro do Lamarão, pai de Jesus...”
“Ói que bolo!” Falou Caburé.
“Se ligue. Jesus e Maria Madalena se pareciam e tinham o mesmo cabelo sarará. A língua do povo começou a coçar logo no período de natal. Quando Jesus comeu Maria Madalena no curral de José, seu pai. Anunciando depois o casamento. Maria soube de quem Madalena era filha e entrou em desespero. José ficou coçando as pulgas da cabeça. No dia de Natal, Maria andava em silêncio e de hora em hora ia e vinha da igreja. Ela ficava cinco minutos ajoelhada e pedia permissão a deus para ajudá-la. Na ceia de Natal, Jesus rompeu a sala da família chorando aos gritos. Ele encontrou Maria Madalena morta com uma facada no pescoço. O assassino ninguém sabe, ninguém viu...”
“Mermão, que história cabulosa”. Disse Filé.
“E trágica pra caralho!”
“Porra, lembrei de Médeia”. Eu falei, entregando The doors para a Galega botar no toca cd.
“... Depois disso, Maria mãe de Jesus não deixava de ir à igreja um dia sequer. Diziam que ela beijava a estátua de Jesus Cristo como a devota mais piedosa e ao mesmo tempo alegre, como se agradecesse por algum santo milagre.”
            Zezinho abre a garrafa de pitu. Enche o copo, e bebe uma golada de lascar o cano! Morde um pedaço de caju e grita:
“Deus está morto e que papai noel vá tomar no cu”.
            Suas palavras varam as luzes da árvore de natal e fustigam as águas do Sergipe. Encho os copos e Bento Negão pede mais duas cervejas. A roda começa a rolar e a fumaça serpenteando acima de nós. The End roça nossos ouvidos e cabelos e Jim Morrison rosna como um cão louco de raiva, mordendo o traseiro de nossa civilização.