Panóptico

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

POETA POÉFAGO (por Pirro)


(pensando no poeta e ativista holandês Simon Vinkenoog)

Eis
o
herbívoro
ativolibertário
um poeta
poéfago
baforando
a
fumaça
do
devir
livre a ser
na
cara
dos
neuróticos
destruidores
da
Terra

sábado, 25 de setembro de 2010

VATICANO GADO VACUM (por Pirro)















Fumaça negra no céu do Vaticano
       conclave em conspiração
       cochichos nos corredores
       e arredores da Capela Sistina
algo terrível está para acontecer
       por trás das cortinas vermelhas.
Quem será o próximo cão-de-guarda
                                   In nome dei?
Tudo corre como sangue de barata
mas o coração ferve
       como nas veias de um animal
                      dissimulado e perigoso.
Na ladainha dos respeitados senhores,
latim-do o juramento da velha liturgia,
a pureza e a santidade
       são exorcizadas
como uma pomba branca de luxo
       contra os largados do mundo.
Enquanto a árvore de fumaça
       polui o céu da terra,
os rebanhos rastejam como répteis
      gritando histericamente:
          Papá! Papá! Papá!
Os pássaros negros
       simplesmente riem
do freakshow dos palhaços da moral
           Vaticano gado vacum.
                                                   (Pirro)

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

ODE SERTANEJA (À PATIVA DO ASSARÉ)

 
Grande cabra-da-peste Patativa,
eu te saúdo, meu irmão de enchada
            e sonho nas mãos!
Seu canto “pa-lavra” a terra dura
ante os olhos esbugalhados
            do Caburé sobre os rochedos
            do São Francisco.
A “lira servage”
            de sua alma encaliçada
            desperta os espíritos
dos backlands que cavam os açudes
            de suores e nervos
a vislumbrar um
                  “sertão de possibilidades”
a pesar de você acreditar
                   nas histórias
         do coroné Padim Ciço Romão.


Seu canto é sertão, é a enxada
       carreirando o milho certo
       por linhas tortas e bem postas,
é as tragédias que se estatelam
                         nas serras do Cariri.
Você é topado, poeta pé-duro e valente
        como Lampião
        varando as estradas na peleja
        contra os macacos do Governo,
é corajoso, cheio de armada e arte
        como os toureiros
               Diabo Louro e Casa Grande
               quando domaram
        o raivoso boi Mangangá.


É você o poeta das coisas simples
              como puleiro de galinhas
              e curral de bode,
que canta e chora como a velha viola
              sobre seus ombros cansados
              mas não vencidos,
que narrou suas histórias e cantigas
              para aliviar
       o peso do enxadeco que lasca
       as mãos dos roceiros do sertão,
que tira onda
       feito o cão da embira
       com os eruditos de fachada
       e suas baboseiras gramaticais
       cuspidas nas salas ocas
       das Universidades.
Eu te saúdo, poeta cabra-da-peste,
      teu canto é teu, é meu, é nosso
                         SERtão.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

CONTO ORDINÁRIO


          Chegamos atrasados ao Colégio Paulo Costa. Caso o Sargento Messias Bradockinho tenha passado para fiscalizar, estaríamos fodidos. Morais falou pra que eu ficasse tranqüilo porque ele era peixe do homem. “Confia em mim, fique frio”, disse ele. Como ele gostava do U2, então fiquei frio. Uma hora depois uma viatura parou na frente do colégio. O sargento Bradockinho desceu do carro com sua prancheta. Ele parecia um chupanzé da Cia. de Segurança Escolar. Estávamos conversando com duas garotas. Deixamos as garotas e no dirigimos até a viatura.
“Vocês chegaram atrasados”, disse ele.
“Não sargento, Chegamos sete em ponto”, falou Morais.
“Sete em ponto?”, Perguntou olhando vesgo pro Morais. Eu comecei a rir.
“Por que tá se abrindo, Pardal? Tá vendo algum palhaço aqui?” disse de cara dura. “Se feche, soldado”. Então eu me mantive na minha posição de soldado me papocando por dentro.
“Sim, senhor”. Falei.
“Onde vocês estavam?”, olhou carrancudo para Morais.
“Sargento, estávamos nos fundos do colégio”, eu arrisquei.
“Fazendo o que?”
“Rondando a área, sargento”, disse Morais.
“Reconhecimento do terreno”, eu emendei de novo.
“Sim, Pardal. Eu sei qual é o reconhecimento de vocês”, disse ele olhando para as garotas. “Cuidado pra não pagarem pensão”.
“Estamos de olho aberto, sargento”.
“Por isso estamos fazendo reconhecimento do terreno”.
“O lugar de vocês é aqui na frente do colégio. Nada de ficar nos fundos. Fiquei, aqui, mais de meia hora esperando vocês aparecerem”. Bradockinho fez algumas anotações na prancheta. “Vou voltar por aqui ainda hoje”. Entrou na viatura. “Tô doido pra botar pra foder com os nozeiros, hoje”. Quando ele saiu fora, me voltei pro Morais:
“Belo peixe você tem, cara”, eu disse.
“Porra, bicho, hoje ele tá com tpm”.
“O cara é de lua. Não gosto desse tipo de goela”
O vigia do colégio apareceu no portão. Depois veio em nossa direção.
“A diretora quer falar com os senhores”
Seguimos o vigia até a sala da diretora. Ele nos mandou entrar. Uma coroa de 45 anos, mais ou menos, estava sentada atrás de uma escrivaninha. Observou nossos nomes de guerra, no peito varonil da segurança nacional. Aconchegou-se mais na sua cadeira-de-presidente. No quadro da parede atrás dela, O governador João Alves pousava como um verdadeiro estadista tupiniquim com seu sorriso de enganar meninas.
“Morais e Pardal, não é?”
“Exatamente, Senhora”, Morais afirmou.
“Me denunciaram que alguns alunos estão usando maconha no banheiro masculino. Queria que vocês fossem lá verificar isso. Veja quem foi e traga até aqui”.
“Quem denunciou, senhora?” falei.
“Dois alunos da Congregação Aliança Libertação para Cristo”.
“Vamos dar uma checada, Pardal”. Disse Morais olhando para mim.
“Vamos lá”
Saímos da sala da diretora. O vigia nos seguiu. Descemos o corredor e passamos pelo pátio da escola. Vi Robinho sentado no banco do pátio, rindo e conversando com alguns colegas e três garotas. Parece que não havia dúvida de quem havia puxado um no banheiro. Robinho nos viu e eu acenei para ele. O vigia me olhou de relance.
“Diga, Pardal. Beleza?”, falou Robinho.
“Beleza”, eu disse sem me importar com o vigia. Ele não passava de um rato ignorante. Um típico devoto de frei Damião.
Entramos no banheiro. Maresia das fortes. Verificamos em torno. Morais olhou pra mim:
“Tá sentindo?”
“Tô. E é das fortes”, eu disse elevando o nariz, como um cão farejando um osso carnudo e cheiroso.
“Já sabe quem foi?”
“Não”, respondi.
“Foi Robinho. Certeza”.
“Não sei”.
“Ele mora na I-3”
“Eu sei. A gente bate bola na rua quase todos os dias”.
“Vamos sair, deixa essa porra pra lá. Já joguei com ele também na quadra do Francisco Rosa”.
“O cara é gente boa”, eu disse.
“Eu concordo”
Saímos do banheiro. A maresia foi evaporando-se aos poucos. Mas dava para enlouquecer um padre. Subimos o corredor do Colégio Paulo Costa. O pátio ficou lotado de estudantes. Robinho ainda conversava com as três garotas, sentado no pátio.
“Sabe, velho, talvez se botasse a molecada pra fumar na escola, os estudos seriam mais proveitosos”.
“Seria como uma merenda no recreio, né”.
“Correto. Teríamos grandes filósofos e poetas, ao invés de operários fodidos”
“Mas é uma idéia absurda para atual burrice mundial”
“Ainda bem que têm caras como Bono Vox aí pra melhorar as coisas”
“Ainda bem que tem caras como Bukowski pra cagar no telhado das igrejas”
“E sem pagar pedágio”
“É”.
Entramos na sala da diretora. A secretária disse que iria chamá-la. Olhei pra cara de João Alves. Não sei por que me lembrei do engenheiro João Alves pai. Dizem algumas más línguas, que o velho gostava de menina nova. Eu não sei de nada. Só sei que o negão botava uma pose e tanto.
“Olhe ali, o seu digníssimo patrão”
“Esse ladrão, filho da puta”, disse Morais. “Até agora não deu o nosso aumento”.
“Sossegue, se não vamos acabar montando uma guerrilha”.
A diretora apareceu na porta da sala. Entrou. Passou por trás de nós e foi se sentar na cadeira-de-presidente bem à nossa frente.
“Viram ou sentiram alguma coisa?”, perguntou olhando para nós dois.
“Não. Não vimos nem sentimos nada”, eu falei.
“Acho que foi um alarme falso”, falou Moraes.
“Não. Não acho. Os garotos da Congregação não iriam fazer alarme falso”.
“Diretora, as aparências enganam”. Eu disse mesmo odiando frases feitas, mas nessas horas elas ajudam.
“Como assim?”
Olhei pro retrato de João Alves, olhei para ela e depois pro meu colega Morais. Ele adiantou-se:
“Ele quis dizer que os garotos da Congregação talvez tenham se confundido. Não vimos nada, diretora”, Morais falou com um tom de voz que fez a diretora repensar a situação.
“Bem já que não viram nem sentiram nada, eu agradeço a gentileza. Obrigado”.
“Se precisar é só nos chamar, senhora. Estamos à disposição”, Morais disse. Retiramos-nos da sala da fiel cadela de João Alves e fomos nos postar bem no portão da escola.
As duas garotas se aproximaram. Nilzinha estava a fim de Pardal, mas Pardal infelizmente não gostava de garotas que se pareciam com ovo de avestruz. Genilma era uma morena de cima, mas estava de olho em Morais. É a vida e suas malditas contradições heraclitianas. Nilzinha tirou uma bala do bolso. Genilma era linda. Eu disse pro Morais que ela se parecia com Pam Grier.
“Quem é essa doida, porra?”
“Uma puta do Pipo’s”
Aí começou a rolar aquela onda de adolescentes:
“Aceita?” disse Nilzinha, me entregando uma bala ice-kiss.
“Aceito princesa”, deu vontade de chamá-la de ovo de avestruz. Tirei a bala do papel e pus na boca.
“Qual é a frase que tá escrita no papel?”. Olhei pra ela. Até que seus olhos eram lindos. Mas da cabeça pra baixo as coisas não se encaixavam.
“Deixe-me ver: ‘Quando estiver só, lembre-se de mim’”, eu li em voz alta.
“Nossa, meu. Que romântico”, falou Morais. Fiquei olhando pra sua cara-de-pau. Ele voltou-se para Genilma: “Só eu, que não ganhei uma bala assim”.
“Não seja por isso, meu bem. Tome uma”, disse ela se abrindo.
“Muito obrigado, minha deusa marron”. Ele desenrolou a ice kiss e pôs na boca. Depois leu o papel: ‘Hoje eu quero sair com você’.
“Virge Maria, essa foi no últero!”, disse Nilzinha.
Já estava me enchendo de toda aquela idiotice. Sempre é assim. Policiais no serviço são sempre ridículos quando estão perto de mulheres. Morais estava todo cheio de si como um galo que acabara de comer a galinha. Ele cruzou os braços para mostrar seus músculos bombados. Eu ri e falei:
“Você tá parecendo o Rambo”
“Vá se foder, Pardal”.
“Você malha em qual academia”, perguntou Genilma.
“SportConnection”. Disse ele. Filho da puta mentiroso, eu disse para mim mesmo.
“Fica aonde”, disse ela.
“Fica na 13 de Julho”
“Hum! Bairro de gente chique”.
“Você paga quanto lá, Morais, pra deixar esse corpo todo bombado?”, eu falei.
“Bombado, um caralho! Aqui é malhação e muita comida balanceada”.
“Sei. Por isso me disseram que você gosta de fazer fio-terra”.
“Já começou a tirar onda. Dou-lhe um murro, soldado palito”, falou ele mostrando o muque.
“Você, Pardal, malha aonde?”, perguntou Genilma.
“Quê! Com esse corpinho, hum!” Fez Morais.
Levantei os braços e cerrei os punhos.
“Eu malho na academia Estampa de Grilo”
As garotas não agüentaram.
“Essa porra é poeta. Só vive com um livro debaixo do braço”, ele emendou.
“É, deu pra notar”, disse Nilzinha. “Depois, quero ver um poema seu”.
“Tá certo”.
“Faça uma poesia pra ela, viu poeta”, falou Genilma.
“Acho que é preciso exorcizar umas boas doses de cachaça mineira”
Depois de muita conversa fiada, as garotas se foram. Estávamos na metade do serviço. Havia alguns garotos fora da escola, conversando e esperando os anjos de saia sair da aula. Não sei por que, sempre que vejo esses caras na frente da escola, lembro do velho ditado ‘quem tiver suas cabritas que segurem, que meus bodes estão soltos’. Jovens com a cabeça falida, que só pensam em noites de pagodes e muito axé, além de comer uma boceta e sair espalhando a boa nova entre os idiotas
“Ói quem vem ali, Pardal” disse Morais.
Pensei que era uma nega gostosa, apenas vi uma figura alta e desengonçada.
“Diga, Fernandinho Punkrock”.
“Diga, véio”, respondeu ele.
Fernandinho Punkrock trazia o quepe na mão. Seu nome de guerra era Mendes.
“Tá em qual colégio, Punkrock?”, quis saber.
“Tô ali no São Carlos. Escola Dom Bosco”.
”E o seu parceiro, cadê ele?”
‘Tá, deixei lá sozinho”.
“Rapaz, o sargento Bradockinho tá com tpm. Se ele pegar você aqui, vai botar no seu cu punk”
“O chupanzé tá numa caxiagem do caralho!”, eu acrescentei.
“Ele passou por lá. Parecia uma moça”, disse Punkrock, rindo.
“Nunca confie em caras com cara de moça”, eu falei.
“Eu sei disso, véio. Tem de saber contornar os goelas. Bradockinho é meu chegado. Cervejamos juntos várias vezes. Eu perdi as contas das vezes que enchemos a cara lá no Pippo’s. Bradockinho é bom de copo. Um dia, arrebentou a cara de uma puta. Tive de contornar a onda”.
“Porra, Punkrock, não sei como você suporta beber com ele. O cara é um prego”.
“Eu sei disso, véio. O cara é um alienado. Só gosta de pagode, Raça Negra, Jorge Aragão, axé... essas coisas macabras. Morais sabe disso, já bebeu com ele”.
“É, eu sei. Botei U2 pra ele ouvir uma vez, ele não gostou nem a pau. Disse que era música de cheirador”.
“Vamos parar de falar de merda, senão a gente vai acabar sentindo o cheiro”. Eu intervi.
“Que farda bagaçada é essa, Punkrock?!”, perguntou Morais.
“Ô, véio, a polícia não dá farda. Eu mesmo não compro. Não é minha obrigação”.
“Trata-se de sua aparência pessoal, Punkrock. Vá esperar pela polícia, que você vai virar mendigo”.
“Aparêcia de cu é rola, Morais. Mendigo é o salário que eu ganho. Não sou vaidoso como você, não”, disse rindo e coçando os culhões.
“O cara é um soldado punk, Morais. Deixe o cara”, eu falei.
“Já fui. Se Bradockinho passar por aqui, diga que não me viram”, disse Punkrock se retirando.
“Hei, vai pra onde”? Perguntei.
“Vou ali, na casa de Saburica, ouvir um som”.
Punkrock caiu fora. Às onze da noite, eu peguei o caminho de casa e Morais o dele. Passei pela Praça do Bugio. Três caras e duas garotas fumavam cannabis tranquilamente. Quando me viram disfarçaram meio que nervosos. Fiz de conta que não me importava. Atravessei a rua e chutei uma latinha de cerveja no meio da rua, desejando chegar logo em casa. Precisava relaxar a mente e ler um bom livro.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

METAPOEMA VISCERAL I

Meu verso irrompe de dentro de mim
            como o sorriso de uma criança
nos cubículos de uma favela do Terceiro Mundo
ou nas ruas novayorkinas de Basquiat.
Meu verso é como um Sócrates esfarrapado
sentado no calçadão da 13 de Julho orgulhosa
assistindo ao pequeno glamour primeiro-mundista
de Aracaju.
Meu verso é como um urro destruidor
       de poses e conceitos
             ante os holofotes americanos,
tem tudo a ver com caos e revolta
no underground da mente
onde há um concerto de rock and roll
repleto de fumaça, uísque e sexo.
Meu verso cospe nos sapos
                      da indigestão moral
e dá à luz a um hipster-beleza
           pronunciando cânticos hereges
e abraçando a geração
que anunciou a morte de deus.
Meu verso mija no plenário
                  do Congresso Federal
e dispõe de um falo rabiscado
                  por Felicien Rops
que serve como parque de diversão
para as Madalenas que eu amo.
Meu verso é a enxada do nordestino
que rasga a caatinga do sertão
esperando a chuva cair para fazer a festa.
Meu verso é a sentinela atenta
 sobre o pico do Aconcágua
ouvindo em silêncio
             as epopéias e tragédias da América
como nas telas revi-vidas
             de Glauber ou Scorsese.
Meu verso se eletrifica
         nos ímpetos do corpespírito
sob um tropel de paixões
             afirmadoras e saudáveis.
Meu verso tem como coordenação motora
a própria necessidade encarnada na terra.
É por necessidade então que varo os dias
consumindo a cachaça de meu corpespírito
e vagando inquieto pelo fabulário cotidiano
como os pássaros negros de um filme noir.
(Pirro)

METAPOEMA VISCERAL II

A poesia brota da Terra feito cacto
num realismo impressionista
de tripas-medula-sêmem-coração.
O autêntico poeta é como um cão largado
como quem se embriaga de entorpecentes
e não se importa
com os manuais gelados da bestética.
A crença no “belo” é para os poetas das ruas
uma fantasia adolescente de donzelas
à espera de um príncipe encantado.
A maioria dos poetas é rãs de pântano
e seus versos são como carne de galinha de granja
cheios de hormônios artificiais,
suas imagens poéticas são frias
como as vísceras de porco
sobre as bancas das feiras –
nada dizem além de suas dores de cotovelos.
Esses poetas de receituários
não vivem, apenas devaneiam
por trás de seus belos versos e idéias.
Sua poesia mata a vida e renega a terra
com suas entranhas
escoriadas de delírios e histerias
Eles são somente espantalhos do espírito
tremulando nas colunas
dos jornais ou sites coloridos.
Deixem os metafísicos sem sangue
se deleitarem nas cadeiras de ouro
de suas academias.
Não fomos nascidos
para tomar chá no asilo dos imortais
             sobre tapetes vermelhos
        vendendo homenagens
aos sábios de fachada.
Que o nosso mundo seja redimido
pelo poema-homem-mulher real
com toda a eletricidade da carne viva
inscrita no papel em branco da Terra
sem frescuras nem ilusões estúpidas.
                                                                    (Pirro)

domingo, 7 de março de 2010

ACORDEI RESSACADO DE MANHÃ



















Acordei ressacado de manhã
            com o sol invadindo meu cérebro,
tomei café e acendi um cigarro-de-palha
       então ouvi o doidivana dizer no rádio:
“pelo amor de deus, não fume essa droga”.

Comi algumas páginas de Pergunte ao pó
apertei a mão de Arturo Bandini
                             e saí pra rua
      bati bola com os camaradas
depois Fui cervejar com algumas garotas

           no mercado do Centro
onde operários bêbados urravam
diante do balé das prostitutas
              voltei feliz para casa e lá estava
o charlatão da tv nausea-bundando:
“o mundo está perdido,
                       só Jesus pode nos salvar”.

Vesti a armadura azul-petróleo
       afinei a PT.40 como uma velha gaita
       e fiz o serviço limpo pro deus Estado
de acordo com os rigores
                            e as graças da lei.
Atravessei a faixa de pedestre
             acenando e pedindo passagem
com o sorriso-cidadão na cara,
             o sujeito da Hilux preta
apontou-me o dedo fraternal:
                  “aqui ó!”
Certamente, ele deseja o vosso reino
                       que ao vosso reino nada.
Subi a rua cantando
                             um blues atropelado
aí alguém me mandou passar a grana
            lhe dei um soco e recebi o troco
fui parar na Urgência do Cirurgia
                           e lá estava o neurótico
me enchendo o saco:
         “triste daquele que não sabe rezar”.

Admiráveis pastores da moral,
por que não enfiam um canhão
                               em seus neurônios
e pegam o trem-bala
                         para o reino dos céus?
Assim, o mundo se libertaria
                 e a vida seria uma dança
                                    cannabiritada.
                                                                                (Pirro)

sábado, 13 de fevereiro de 2010

ALQUIMIA DOS AFETOS


Nitimur in vetitum” (Ovídio)
A noite se dissolve na alquimia dos afetos
os malditos mordem o umbigo das prostitutas
bem relaxados e o cérebro fervendo
feito chaleira de café.
A esfinge louca que somos se reconhece
no coração do mercado-noite
onde os animais furtivos
pedem uma dose de conhaque
para esquentar seus delírios e delitos
a fim de fugir da patologia
da normalidade repressiva.
Cá estamos nós entre homens e mulheres
nas avenidas e ruas da noite acesa
tragando a cachaça do momento único.
Aos cambaleios poético-etílicos traçamos
o mapa de nossos subterrâneos
como quem pesca nas madrugadas
do Rio Sergipe.
Uivamos canções ao proíbido
em que o animal inocente
de Rilke nos diz: “é às noites
que minha alma se confia”.
Quando o dia abre os olhos
descobrimos que o céu e o inferno
se fundem no sangue-firmamento
de nossas secretas e sangrentas paixões.
(Pirro)

RAFAELA


"Sainte-Thérèse comme philosophe" by Félicien Rops (1833- 1898)


Rafaela me diz
que veio do sertão de Alagoas
atravessou o Rio São Francisco
na carroceria de um mercedes-benz
agora, ela está amaciando
os membros grotescos
dos senhores da moral
nos cabarés e mercados do Centro.


17 anos e um olhar de puta inocente
coração de moleca espevitada
acariciando a pedra bruta
desses dias tão polidamente bárbaros
e de palavras que não colam
no Porto Dantas de Rafaela.


Ela me diz que foi abandonada por Cristo
e suspeita que ele não é o que dizem
que a sociedade é feita de animais cínicos
sob a máscara de educados artifícios:
“minha única saída, ela diz
é endurecer o corpo e abrir as pernas
prum mundo sem amor”.


Ah, pode acreditar, minha santíssima puta
vou endurecer junto com você
num mundo de parabólicas e vitrines coloridas
onde socialites vaidosas e sem-cérebros
berram em pastos sempre verdes
babando as pencas de cajus,
e uruburgueses porcolíticos franqueados
chapados de whisky, cifrões e retóricas
na moderna província de Aracaju.

                                                                                           (Pirro)






sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

SUPER-HOMEM (por Pirro)

(Praça Ramos by Osvaldo Hernadez)
O amor, a dureza
o caminho, sacrificeo vento nos cabelos,
a pedrada na cara
a rasteira e a queda,
a poeira nas calças.
o fumo, bem-relax
olhe-se no olho
quebre o espelho
e
jogue o seu jogo

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

COME ON, BABY (por Pirro)


(Genesis by Robert Crumb)

Ok, garota, confesso,
eu sei que há uma pedra em meu sapato
mas o deus da sacanagem segredou-me
os mistérios da vida e nos abençoou.
Monte na serpente embriagada;
o pecado é uma ilusão do medo –
Vem, belo animal,
trepe comigo, só esta noite.
Ah, esqueci.
Você é uma casta devota
de dourados castelos
à espera do palhaço encantado
ornado de olhos macios e camisa de seda
como os “ídolos” da televisão.
Saiba que com o tempo
o coração acaba desembestando
em gruídos de beatas
rabugentas e frustradas.
Por que contemplar
um deserto judaico de dor?
Queime a bíblia, destrua a Igreja,
se lance como uma pantera
em torno da bela carniça,
Solte as lavas de seu vulcão
estrogenado,
você é pura nitroglicerina!

“Come on baby, light my fire”!
Não represe seu indomável corpo,
pensando no que os idiotas vão falar,
o vizinho é um parasita moral
que vê maldade até num macaco
descascando banana.
Vamos rezar na Sacra Orgia
“dancing in the dark”
como dois demônios dionisíacos.
(Já pensou, foder no altar
num dia de ação de graças!)
O céu e o inferno transpiram
na castidade de nossa carne, pulsões e mente
num frenesi ditirâmbico
de delicadezas, embates e metidas.
Ah, esqueci.
Você é uma moça de família
com pose de “papai-e-mamãe”,
mas eu sei qual é a sua,
no fundo deseja ser bem tratada.
Me diga, vítima das madames mascaradas,
por que se encantar
com as fachadas cor-de-rosa
computando dívidas e dúvidas?
Pense nos sacerdotes
batendo punhetas claustrofóbicas,
ou nas “irmãs” que em vão
põem cadeados em seus clitóris,
lembre-se de Betsabá
num deserto de volúpia, júbilo e dor,
e arranque essa couraça metafísica e rude
que sufoca o vulcão entre suas pernas.
Não tenha medo dos lobos famintos
que uivam sob sua janela,
afinal, você é pura nitroglicerina.

Come on, anjo louco,
acenda meu cigarro só esta noite,
trepe comigo como se fosse a última vez
pensando nas reflexões chapadas
do velho Henry Miller
para que dancemos bêbados
no prazer de existir.
Sinta os milagres de um deus ereto
girando
em torno e dentro
de seu “pussy planet” –
cheio de alucinógeno e ditirambo.
Mas quando o monte Citéron
de nossos instintos pegar fogo,
não renegue sua sagrada animalidade
como fez a beata elisabetana
Katherine Stubbes
que execrou sua cadelinha de estimação
mergulhando no céu crucificado
de sua neurótica ilusão.
Como on, baby, acenda o meu fogo!
O tempo ri dos indecisos e medrosos
e abençoa os ousados
que se lançam ao proibido.
(Pirro)

domingo, 29 de novembro de 2009

É NATAL (por Pirro)


É natal, tempo de assegurar
1m² de céu no paraíso.
O fetiche uruburguês capitalista
surge em seu trenó encantado
com sua bondade
de barbas brancas
entorpecendo o espírito da manada
ante o narcótico
de sua gargalhada sincera.
Trancado a sete chaves
durante onze meses em algum cofre
no glacial ártico da humanidade,
o amor ao próximo floresce
nos canteiros da cidade
se expande como um boato
bem intencionado.
Através da sedutora máscara do velho,
a alegria transparece
nos rostos estranhos
tão duradoura como fogos de artifícios.
É natal. Oh, é natal!
mas quando olhamos sem querer
o outro lado da cidade
nos subterrâneos dos bairros
e sertões afora,
lembramos que natal e papai noel
não passam
de uma brincadeira sem graça
inventada para a ilusão
dos idiotas da Terra.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

ESTOU GASTO COMO MEUS SAPATOS (Sérgio Dedão)


guerra é paz
liberdade é escravidão
ignorância é força”
(George Orwell - 1984)

Estou gasto
como meus sapatos
Tenho vivido e andado
muito
Absorvido por meus pensamentos
Pensamentos tão gastos
quanto as solas de meus sapatos
Roubei muitas idéias
e
misturei com minha
mente atômica
Pinceladas atômicas
em um mundo sem cor
Sem cor não é o mundo
São as pessoas quando
estão tristes
Disparo palavras
em um mundo blindado
de violência e pobreza
Sinto-me longe de mim
mesmo.
Perdido em um oceano
de idéias fixas-móveis
Sou um megalomaníaco
atado por minhas próprias idéias
Estou gasto
como meus sapatos
Não quero salvar o mundo
Ele não quer ser salvo
A transformação da realidade
é
uma
responsabilidade
e
uma
escolha
subjetiva
A matrix é um mundo para poucos.
A verdade é um mundo para poucos.
A estupidez é um mundo para muitos.
A ignorância é um mundo para muitos.
Se sua apatia é uma síndrome.
Se sua indiferença é um câncer.
Se sua alma é podre.
Responsabilize-se por você.
Você entendeu?
Você está pronto?
Você ressucitou-se de seu mundo
de consumo e controle?
Responsabilidade e escolha
são palavras reais.
Ser livre
é
uma
responsabilidade
e
uma
escolha
Você me entendeu?
Estou gasto
como os meus sapatos.

(Sergio “Dedão”)
    24/05/2007