Panóptico

quinta-feira, 21 de julho de 2011

DESTINOS (por Pirro)

Cena do filme A Fronteira da Alvorada (La Frontière de l'aube, 2008), do diretor Philippe Garrel.




















                                                             Para Mary
A noite surgiu
no acender das lâmpadas:
nos encontramos na sala, baby
tão próximos, tão distantes
         como dois animais exóticos
         encurralados contra a parede
         de nosso próprio pacto diabólico.
Enquanto Rilke me revela a vida
sorrindo pro Aberto do mundo,
você saboreia a novela das oito
esparramada sobre o sofá
na fantasia de um happy end.


We're chained, baby
no (des)encontro e contra-choques de nós:
passamos tagarelantes ou silenciosos
poucas vezes de mãos dadas pela rua;
nos atracamos pelos cabelos e pentelhos
       na escuridão de nossos segredos
       confissões e degredos
       sob os lençóis
       de uma madrugada fria.
Que imagem tão comum:
eu de cueca
matutando com o mundo
e você de calcinha
sonhando debruçada
sobre os rabiscos de futuros planos.


Já é dia:
como as estações
         passam apressadas!
Você pega o táxi-de-lotação
        e segue seu caminho
        como uma abelha-operária
        muitas vezes entediada,
dizendo que "o mundo é cruel",
e se fazendo de "defunto
        pra meter o dedo
        no cu do coveiro".
Eu pego o ônibus coletivo
e corro para os combates
       de todos os dias
matando um leão feito açougueiro
para tentar recriar
        novos valores, novos sentidos
        novos amores, novos ódios
        novas trocas e fatias
com cheiro de pó e fumaça da terra,
entre delírios poéticofilosóficos,
               tubos de biritas, livros e canções.
Mas apesar de tudo
e antes que a terra me chame de volta,
“as difíceis palavras”
que engasgaram Bukowiski,
eu também as digo
depois de muitos engasgos,
                          silêncios
                               e
                          paranóias:
                        “eu te amo”.

terça-feira, 12 de julho de 2011

SÓ SEI QUE NADA SEI DE MIM, SENHORA FELIZ... (por Pirro)


Fotografia de Hernany Caburé





















Só sei que nada sei de mim, Senhora Feliz
Cidade das pedras frias dos homens
Mandacaru sob os meus pés
Acri Clube de "tabocas"
Presenteadas por garotas prendadas
Tão lindas de morrer
Em noites de cervejas e Hi-fi
Sob os embalos de sábados
Ouvindo e dançando Boys don't Cry
É a memória fincada em meu corpo, Senhora Itabi
Na dureza antiga e sertaneja
Das Pedras da Paciência,
Que me ensinou a ser-tão
Simples matuto do mato
Como um jegue matando o tempo
No cair do crepúsculo de suas ruas.
                                                                                                      (Pirro)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

EM DIA DE CACHORRO LOUCO (por Pirro)

Benicio Del Toro - fotografia do filme neo-noir Sin city - a cidade do pecado (2005), dirigido por Roberto Rodriquez.

             Era sábado nublado. Aqui e acolá, caía uma chuva fina, o suficiente para encharcar a cidade. Celso Blues Boys tocava Sempre brilhará. Solange falava dos planos que ela tinha na manga para 2011 e 2012. Falava em ter um filho, fazer um curso universitário, colocar silicone nos peitos ou comprar um carro. Toda a sua conversa me deixava pensando. E quanto mais pensava, eu queria que o mundo parasse, ou, pelo menos, os homens e mulheres deixassem de tanto correr nessas avenidas de concreto. Na verdade, eu só queria ouvir música, não queria saber de problemas e por isso cantava como um bluesman, no sinal fechado da Av. Santa Gleide: “estou deixando o céu, rumo ao inferno”.
          O sinal abriu e entrei à direita, para pegar a Av. Tancredo Neves, depois contornar o viaduto e seguir pela Osvaldo Aranha em direção ao Centro, aonde eu iria deixar Solange no trabalho. A cada passada de marcha, minhas mãos deslizavam pelas coxas de Solange, enquanto brincava com ela, falando-lhe bobagens afetivas.
          A 500 metros, parei no sinal vermelho do D. Pedro, papeando com minha bela fêmea como um verdadeiro homem da encruzilhada. E como a vida de vez quando lhe faz careta, eu não sabia que estava sendo laçado pelo inesperado no virar da esquina. À minha frente, havia dois carros emparelhados e os dois pilotos conversavam descontraidamente como se fossem bem chegados. O sinal verde sorriu para nós, e os dois amigos permaneceram parados, batendo papo à vontade, impedindo a passagem. O Corsa do lado se coçou esguichando buzinadas e os amigos não estavam nem aí. Olhei para Solange, dizendo-lhe que não acreditava no que estava vendo. Mordendo os dentes como um cão, me fixei de novo nos dois amigos filhos da puta. De um surto, também fiz meu Siena esguichar buzinadas de raiva, mandando o pai daqueles filhos da puta para o inferno. Eles foram saindo devagar, conversando como se estivessem no seu próprio chiqueiro privado, ouvindo pagode com suas porcas burras. Aí eu pensei: “isso vai dar merda!”. Meu sangue já estava fervendo, e eu ali não estava mais por mim, mas pelo cão renascido das minhas próprias entranhas, querendo fazer caçadas no cimento.
          Solange segurou em meu braço pedindo calma, larguei a mão dela e peguei a PT. 40, que estava entre minhas pernas no banco.
“Caralho! não é possível...”
“Calma, porra, calma!”, pedia Solange já nervosa, sacudindo os braços.
“Você não tá vendo esses filhos da puta...”, eu nem conseguia falar. Só conseguia buzinar. Buzinadas a granel, vomitei pelos retrovisores de vidro do meu carro, agitando a PT. 40 no ar, tentando a todo custo seguir meu destino. Mas havia a pedra de Drummond no meio do caminho, pois os dois amigos subiam a Tancredo Neves bem lentos e tranquilos, como se estivessem testando minha paciência de cachorro louco.
“Esses filhos da puta, Solange, não sabem com quem estão brincando”, eu consegui dizer, enquanto pensava mil planos diabólicos.
          Quando passamos por baixo do viaduto, o da Fiorino acelerou o carro e partiu, enquanto o do Gol vermelho foi seguindo bem à vontade, lento como um sapo, justamente na mão em que eu estava. Quando tive oportunidade, emparelhei o meu carro com o dele e apontei a PT na cara dele:
“Filho da puta, sabe o que você está fazendo!? Filhodaputa filhodaputa filhodaputa...!
          Ele sorriu e simplesmente chupou o dedo e apontou pra mim “Aqui ó, seu otário!” Foi a gota d’água. Manobrei meu carro para a frente do Gol vermelho e tranquei o engraçadinho. Parei, liguei o pisca de “alerta” e desci do carro fumaçando. Solange tentou me segurar e eu disse:
“Fique fria! É só uma liçãozinha”
          De modo rápido, já fora do carro, me voltei e apontei o ferro para o do Gol vermelho:
“Vamos filho da puta, sai do carro!”
          Ele pálido como uma banana, fingiu não entender nada, levantando as mãos como quisesse dizer o que foi que eu fiz.
"Bora, filho da puta, desce do carro”, gritei de novo.
“Calma, cara. Calma... ca...”
“Calma, caaara! Minha garota já me disse isso, seu filho da puta. Desce do carro viado fuleiro!”
          Ele abriu a porta e começou a sair do carro. A chuva começou a cair mais forte e passavam poucos carros pela Tancredo.
“Com as mãos nos chifres, se não arranco eles!”.
          Quando ele desceu, pedi que se aproximasse. Ele se aproximou com as mãos na cabeça e apontei o cano para sua testa e olhei em seus olhos. Ele estava tremendo feito uma vara verde.
“Você já assistiu Onde os fracos não têm vez, seu filho da puta?”
“Não... nem sei...”
“Sabe quem é Javier Bardem, pagodeiro de merda?”
Não... nem sei do que...”
“Você não sabe de nada, seu porco ignorante. É um filho da puta que gosta de Aviões, Harmonia do samba e Chiclete com Banana, se proclamando “o putão”. Um ignorante de uma figa, que não entende de nada, né, animal de rebanho!?”
          O zé mané ficou sem saber o que dizer, tremendo na base.
“Acabe com essa história e vamos embora, Messias”, Solange gritou de pé na porta do Siena.
          Dei uma olhada no seu Gol vermelho, parecia novinho em folha. E então mirei no capu.
“Não, cara, pelo amor de Deus, não faça isso!”
          Analisei aquele lindo Gol vermelho que brilhava como uma Ferrari, e o nome vazio de deus refletia nele.
“Ok, man, como queira. Ele parece ser mais valioso...”
          Sem contar história, mirei nele e atirei. O boneco despencou do alto de sua vidinha insignificante e seu corpo caiu tremulando como a bandeira das Nações Unidas no asfalto encharcado da Av. Tancredo Neves. Enfiei a pistola debaixo da camisa e voltei para meu carro. Engatei a primeira e acelerei, com o coração batendo como mil tambores primitivos. Solange se abraçou comigo e recoloquei Sempre brilhará para tocar no meu Pioneer. Comecei a cantarolar, como um bluesman da encruzilhada, enquanto seguíamos nosso destino sem-volta...
"as coisas são assim
pra que se lamentar
se dentro de nós
sempre existirá
sempre existirá"

segunda-feira, 6 de junho de 2011

ODE AO ESPÍRITO MARGINAL (por Pirro)


Johnny Cash, por Jim Marshall.





Para Sérgio Dedão, Vardeleno de Assaré, Beto Oão, Clark Bruno, Marcelo Paulista e Caburé. A todos os espíritos revoltados.








Meus camaradas, quando os nossos punhos
vibram nos quatro ventos
a Terra pulsa abaixo e dentro de nós
como um acorde de Rock and roll
ecoando alucinado em nossas veias.
Diante de nossos versos (in)decentes
os vermes da tartufice se enfiam
debaixo do tapete e rezam
como lesmas sacrossantas
para que os seus deuses nos apedrejem.
As baforadas de ervas e bate-papos
nas tardes de biritas e preleções nietzschianas
significam o renascimento do mundo
sobre as cinzas dos fantoches e fetiches
de nossa civilização arrogante.


Não pretendemos salvar a humanidade
porque a humanidade nunca esteve perdida
ela apenas deu corda aos seus próprios fantasmas.
À margem de qualquer pregação
apenas vivemos dançando bebendo lutando
por um lugar ao sol
no cimento inabalável dos dias
subindo e descendo as ruas
cheias de nervos e eletricidade.


Pouco importa a nós, meus camaradas
esse bando de Jeremias tateando o nada
engolindo as promessas dos promotores
da política e da (agri)cultura do rebanho.
A química de nosso estômago e artérias
consiste nas fibras de relâmpagos e trovões
temos colhões, o mundo e as mulheres
estão do nosso lado
porque sempre estaremos cantando
suas paixões mais vitais –
todas as coisas, acasos, acontecimentos
e impulsos telúricos falam
a nossa língua  além-do-bem-e-do-mal.
Os eunucos de deus já estão mortos há tempos
seja em Aracaju, São Paulo, Paris ou New York;
suas rezas e seus ideais prontos e acabados
foram soterrados pela bomba-relógio da história.


Os socos nas paredes do atraso mental,
a galhofa de sátiro dando pinotes
dentro e fora de nós,
o olhar de carcará do nosso espírito
copulando com as dissimulações sadias,
o jogo de cintura e as esporas
que trazemos afiadas para conduzir
as modernas bestas de carga -
tudo isso foi sacado por nós
por força ética de nossos bons modos
que cheira como o estrumo das ruas.


O coração bate a mil por hora
como tambores primitivos,
o corpo parece bandeiras multicoloridas
tremulando num Fla-Flu com estádio lotado,
quando temos a vida e o mundo do nosso modo
com torcida feminina e tudo.
Ah, essas bucetas sagradas
que tocam fogo no mundo
desfilam pelas avenidas da cidade
contemplando as vitrines de seus sonhos
como se estivessem tecendo
uma armadilha para seus amantes;
que ficam doidos por esses belos demônios
como os benditos poetas-santos de Xiva
que vieram percorrendo “mundos impossíveis”
pelas maravilhas-de-saia através dos séculos.
E assim, todo o mundo que se alarga além de nós
ressuscita na eterna aliança dos amantes
que se lançam na licença poética
de suas trepadas mais intensas.


Nós, os carpinteiros da vida
construiremos um santuário
com nossas fêmeas mais nobres
no centro de um imenso vinhedo
para que possamos nos sábados à noite
fazer a festa nos becos do universo;
e deixar que a natureza copule
em copos cheios e férteis
para que nesse planeta heterossexual
um novo homem e uma nova mulher
venham à luz e perpetuem as crias mais dotadas
em torno e além de si na imortalidade do sangue.


Na verdade, meus camaradas
o futuro é onde estamos
já somos seu ancestral;
os filhos da geração fodida
a deitar por terra todos os valores
que até hoje fizeram do bicho-homem
uma ameba neurastênica.
Já somos em qualquer canto do mundo
os grandes animais que arrancaram
as máscaras de ferro de todas as condutas exemplares:
cuspimos educadamente nos altares pomposos
e nos curamos do veneno dos piratas da moral.
Temos agora a saúde dos convalescentes
que cavalgam para o Aberto mundano de Rilke
onde o doce e o sal da travessia é experimentado
e vivido com a mesma intensidade
sem a acusação do tribunal da consciência.


Somos nós a algazarra dos libertinos
e a prudência dos transgressores
atados pela ponte do destino.
Nossa bravura marginal, my brothers
é redimir a Terra-mundo das dívidas e dúvidas
como quem fuma seu cigarro
observando as correntezas do Rio Sergipe
e ouvindo a velha filosofia do Mercado Central.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

RIMBAUD (por Marcelo Primo)

(Rimbaud)






















Furor poético, furor prático,
Anseio por um mundo não-estático,
Tensão amorosa, tensão familiar,
Entre as armas e o criar,
Típica temporada no inferno,
Onde absolutamente nada é terno.

Em Charleville ou na África,
A inspiração nunca fôra esporádica,
De tiros líricos a tiros passionais,
Agora a métrica se desfaz,
Pois a rebeldia dá o tom,
Arthur, pura impetuosidade e frisson.

Agradeças à Virgem Louca,
Tua criação não é coisa pouca,
Mesmo sendo um raio, um instante,
Tuas obras foram o bastante,
Para implodir o marasmo po(i)ético,
Seja literário, seja estético.

Em Marselha chegaste ao fim,
Mas foste tu que quiseste assim,
Pobres agora somos nós,
Vítimas da inércia, o pior algoz,
De quem procura o original,
Rimbaud, sempre serás sem igual...

quinta-feira, 28 de abril de 2011

PROSÁICA DO BOM PASTOR (por Pirro)

  (Desenhos by Milo Manara)
Jesus, busquei a ti
movido pela sagrada gana
preciso de dinheiro e fama
            vendendo tuas parábolas    crucificadas
sugando o tutano do teu sangue
como um velho canibal tupinambá.

Jesus, busquei a ti
preciso comprar uma chácara
com piscina azul e mesas ao sol
fazer um harém
com mil putas serenocínicas
e sacrificurrá-las em teu nome
pois sou o bom pastor
de tuas ovelhas
e nada nos faltará.

Jesus, busquei a ti
como está no Apocalipse
tu és o Lúcifer de minhas obras,
no reino universal da Terra.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

MODUS VIVENDI (por Marcelo Primo)


"Portrait d'Arthur Rimbaud", by Picasso.
Dispensando afetações nas maneiras
De pensar, falar e agir,
Sigo minhas próprias pegadas,
Cagando para o porvir...


Se meu alimento fosse a opinião alheia,
Eterno grilhão da autonomia,
Ficaria menor do que um grão de areia,
Sucumbindo ao coro da maioria...


Todavia, sou um Maldoror alucinado,
Um outlaw tresloucado,
Primando pela individualidade,
Descartando o aval da coletividade...


Fazendo o que, quando, e como quiser,
Errante, sozinho, ébrio de lucidez,
Não podendo somente não escolher,
Pois só se nasce apenas uma vez...

quarta-feira, 13 de abril de 2011

VÔ-MITO SU®REALISTA (por Pirro)

The flame (1934-38), by Jackson Pollock.



















Somos como as ondas do mar
somos como o vento
que faz piruetas nas ruas e quintais
meu sangue borbulha,
minha boca baba
minha carne treme
e o tempo passa...
voa... volta... voltz...
eterna repetição do mesmo
eletrochoque na mente
ácidos nas veias
o velho ressoar de vozes,
            de trocas, de carícias
um doido na esquina rumina
um mendigo sentado na calçada
come um pão velho
uma dama de vestido verde
e pernas fantásticas passa na Beira-mar
os operários da futura mansão da 13
fazem caçadas no cimento
e um deles mira a pérola:
“É verde, imagine
quando tiver madura!”
um fanático religioso prega no ônibus
um sujeito boa pinta sofre de amor
um outro mata friamente
o pobre come o biscoito
da inimiga ignorância
a guerra explode no Iraque,
Um sanguinário armado até os dentes
sai matando inocentes in nomi dei
nos becos e malocas do mundo
E coitado do diabo é o culpado!
os degustadores bebem
a cerveja cômoda de suas vidas
enquanto os honrados políticos
fodem com o mundo
e gastam com suas belas putas.


Lá na frente
encontros
encontrões
desencontros
um girar de sensações
e pensamentos desejos
fundos secretos conflitos
de rajadas e bombas
histórias de traição e crimes
histórias de ganância,
reluzindo como bronze
na cara dos parasitas do Estado,
como ouro em pó
na face colgate
do sombrio sorriso uruburguês.


Tudo isso
irá retornar amanhã?
e tudo isso vai passar
mas irá se repetir?
a cada lance de dados
nas veredas e ruelas do mundo
ser e não ser
é e não é
unidade da contradição humana?
Onde deus? Onde o demo?
Cadê o Messias que não chega?
k k k k
         k k k k
                  kkkkk
                          kkkk
O palhaço ri e dá cambalhotas
nos circos da vida severina
segunda feira de 2010
poderia ser século I antes de Cristo
e ele não deveria nem ter nascido
poderia ser 3010
o devir do mesmo misturado.
Estamos no mesmo barco
e nunca no mesmo rio,
a qualquer momento poderemos afundar
a não ser que o derrubador de ídolos
se rebele nas trincheiras de uma guerrilha
e os políticos e religiosos
sejam enforcados
com seu próprio
                         OLHO grande
                             e sua
                         MÃO oculta
                                   mais-valia
                                   máscara
                                   medonha.
                                   

quarta-feira, 23 de março de 2011

ESPIRAL (por Marcelo Primo)

















Uma vez tentado o incurso às margens dessa mesmice latente,
È inevitável o embate com a espiral da existência, a mim presente...
Fazendo-me circular e circular, procurando sentido a esmo,
Anúncio de um fim deveras conhecido,
o enfadonho retorno do mesmo...

Suficiente já é uma olhada en passant à minha volta,
Floresce a verve, inflamada pela angústia, asco, revolta...
Mas a espiral age pelas entranhas, hic et nunc, fisiologicamente,
Labirintite do real, giros e mais giros, sucessivamente...

È possível fincar-se na razão, diante das vertigens mundanas?
Diante da descarada letargia, que aí está deixando mentes insanas...?
Ser, estar... é como lançar uma diatribe a um absurdo quixotesco,
Com a morte na alma é dizer pouco deste estado espúrio, grotesco...

Volto, vacilante, perpassando mais uma volta dentro da espiral,
Trajeto sinuoso, tortuoso, que sempre conduz ao mesmo final...
Ora, mas que é esse fim senão um começo?
O mesmo ponto de partida
Que encontro em todos os lugares e momentos, não havendo saída...

                                                                                                 (By Marcelo Primo)

terça-feira, 8 de março de 2011

A PERFEIÇÃO IMPERFEITA DE AFRODITE (por Easy Rider/SP)

                         Para Jéssica


Estou perdido em seus olhos cosmológicos universais
Afrodite, os deuses brincam com a minha mente mortal
Afrodite, o tempo é eterno e finito diante de sua imagem
Afogado em devaneios orgásticos, em seus braços desvendo mundos
Dionísio enviou uma musa para testar minha  híbris
O som de seus lábios harmoniza 
      a canção do  amor
Afrodite o cotidiano nos sufoca
Estou louco por sua linguagem corporal
Desejo ser alfabetizado e letrado em suas curvas
Decifrar seus desejos e prazeres tornou-se minha missão
Primavera de meu mundo
Sonho em vida real
Afrodite, a loucura nos torna humanos demasiado humanos
Desejo sentir o cheiro da primavera em sua orquídea
Amo:
Sua imperfeição perfeita
Sua inteligência voraz
Sua natureza contraditória
Sua beleza histórica
Minha Marilyn! Amo sua perfeição irônica
A imperfeição perfeita de seus dentes
Minha Marilyn! Amo sua perfeição imperfeita em forma de cicatriz
Minha Afrodite merilyana, toda perfeição 
                             está na imperfeição da vida e da natureza.

(escrito por Easy Rider / SP)

POESIA-PANFLETO (por Pirro)

(By Charles Burns - album Brick by Brick, de Iggy Pop)
 “Mostrai-vos sempre prontos a falar sem rebuços e os pulhas vos evitarão” (William Blake).
 
I

 Vou farejando 
                minha idéia fixa,
  como um cão vagabundo
em busca de um pedaço
de osso carnudo
pelas ruas de domingo
                           no bairro
então me bato com vocês, pigmeus de deus,
              que me dizem olá e me estendem a mão.
Eu falo um bom dia, um boa noite
               feito diabo dissimulado
               e acredito realmente
               que vocês vão com a minha cara.
Vejo em todos a imagem
                       de pregos metidos a martelo!
seus espíritos parecem uma manada
                no comodismo de suas pastagens:
        schincariol, pagode, axé, deus, Jesus cristo.
Suas crenças são alegrezinhas e falíveis,
seus partidos se espatifam nos esgotos
        de suas assembléias e conspirações,
             suas mulheres estão depressivas
         e vocês estão nervosos.
Se viciaram demais em suas drogas morais
          acabaram se intoxicando
          e ficaram atrofiados.
Seus sacerdotes e mandatários
           querem envenenar a Terra, o corpo,
           as coisas, as casas tranqüilas,
           os homens e mulheres sadias
com os decretos-leis
           de suas neuroses e pessimismos.
Eu sei que por trás de ternos
           e casacos de veludo deles
          existe um homem morto
                       com sua fé e sua verdade,
que desiludidos tentam recompor
             os cacos de seus ídolos
          numa cruzada criminosa contra a vida.
Que por isso se castram a si próprios
                      e estão pagando um alto preço.
Vocês desejam o céu e ele cheira a sangue:
                      creio que os santos vão chegar lá
                      numa bela sexta-feira santa sem datas.

II

E enquanto vocês enchem a cabeça
                  com mil toneladas de tolices,
estou dançando cheio de vida e vinho
             chupando a manga suculenta
             de minha puta mais atilada
             em qualquer lugar do mundo,
             aceitando os meus prós e os meus contras.
E como sou um animal político
   e adoro minha máscara,
vamos continuar dizendo olá
                          apertando a mão com jeito
   e encenando um feliz carnaval... ou ano novo.
Ouçam senhores da bondade,
               sacerdotes do amor e da democracia,
eu sei o que estimo e aprecio na vida!
               por isso vou como barco seguro
               saboreando a fúria do vendaval
               e o deslizar do Rio São Francisco:
                            sim, sei curtir minha onda.
Vocês, benfeitores da humanidade
            seguem ditando suas regras e modas
            como num comboio de carros luxuosos
            com potência de 600 cavalos
                               e não-sei-que-das-quantas
            desembestando suas angústias
                                pelos bulevares do mundo.
Como vocês fazem tempestade
                    num copo d’água!
E como são desconfiados e esquivos
                    por trás do paraíso
                                  de seus shopping centers!
Sem dúvida, vocês progrediram
                    e inventaram a modernidade
                                                 e o sexo virtual.
Eu os saúdo e alegro-me com vocês –
                    afinal, somos filhos do século XXI.
Contudo, meus chapas
                            vocês bestificaram o espírito
e ele não enxerga mais seus feitos
                  demasiados humanos:
a Terra o corpo o sangue o suor a sexualidade a cultura
as corporações químicas-fisiológicas-materiais-tecnológicas:
tudo argila sagrada de nossas mãos,
ó animal entre os animais!
No entanto, vocês são filhos do pecado
                             aprisionados na camisa de força
                             de seu tristíssimo deus.
Por isso condenam a vida terreno-mundana
                                 das mulheres masofogosas
                                 e de homens que as levam no colo,
receitando o veneno injuriado para os pequenos moralistas
                         que parecem molambos em cima do muro.
Quando é que vocês arrancarão os farrapos de deus
                       e se tornarão aristocratas do espírito?
Quando deixarei de ouvir suas lamentações
                       de Jeremias sentimentais
                       e de diabinhos arrependidos?

III

De qualquer modo vamos continuar dizendo olá
                       enquanto eu sigo minhas veredas
                       andando com o Velho Whitman,
                       Buk, Miller, Fante, Fonseca
                        e com todos os meus velhos camaradas
trocando com vocês cartas, fichas, moedas
                     e afetos que não podem ser pronunciados.
Vocês continuam vagando com seus paradigmas
                     tateando a cruz dos pessimistas neuróticos;
e eu pegarei o coletivo da vida
                   e seguirei tranqüilo
                   respirando a leveza dos pardais vadios
                   porque me tornei meu quando e meu onde:
agora existo e o momento é tudo,
a Terra é o seu sentido e dele me apossei.
É dela o meu corpespírito, sua plantação
                e colheita, alimentação e eletricidade
                amores violentos, trepadas e renascimentos.
Sou eu meu próprio deus e meu próprio demônio.