Panóptico

sábado, 18 de outubro de 2014

ABRE AS PERNAS VIDA, ABRE

"Abaporu" (Tarsila do Amaral)

Abre as pernas vida, abre
nesta noite americana
que se debruça
como uma gata no cio
nos telhados de Aracaju.
Minha alma erguida espera
a mulher que ama
para celebrar a gravidez
dos perfect days
na voz de Lou Reed.

Abre os olhos vida, abre
que estou arquitetando
uma arapuca para pegar
o Congresso e a Catedral.
Esses ídolos falidos mentiram
para os meus camaradas.

Abre o espírito vida, abre
que em meus olhos
relampejam o riso
por suas crenças
politicamente corretas
que enobrecem de verdade
suas virtudes, poses e mesas de jantar
como o "discreto charme” de Buñuel.

Abre a boca vida, abre
eles precisam ouvir
o que temos a dizer
sobre o jogo do bicho
que se oculta
em suas assembléias
e roupas bem passadas.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

CORPO QUENTE (Pirro)



by Leonid Afremov
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quando meu quarto se torna uma prisão
em noites de sábado sem ninguém
saio andando pelas ruas do bairro
em busca de um animado xodó
que tenha um corpo quente
que dance comigo na noite
embalado por doses de aguardente
 
Fico na praça... na mesa de um bar
vejo homens barrocos indo às igrejas
suas mulheres se parecem com santas
seus rostos tristes, frios e sem cores
expressam o medo por um corpo quente
que queima como um velho aguardente.
 
Bebo uma dose, ouço o Creedence,
mulheres me olham no olhar
noites intensas cheias de promessas
que seja eterno enquanto durar!
elas desejam um corpo quente
que as deixe como uma criança contente
 
Todas elas pensam em casamento
fazem planos e amam sem limites
mas tudo esfria com o tempo...
então elas se lançam ao proibido
sem apegos, indiferentes
na busca de um corpo quente
 
Oh, elas buscam um corpo quente
como quem bebe o carpe diem
das pequenas e doces coisas
deste rio que passa,
e me convida para navegar

sábado, 27 de setembro de 2014

POEMA EM LINHA TORTA (Pirro)

"Moloch" by Lynd Ward (1980)

                      










                      
                      Seja lá
                      qual for
                      a sua
              nova identidade,
                         por onde quer
           annnnnnnnnnde
                      ou
                     nnnnnnnnnnnade,
                         o fundo
                               do seu rio
             permanecerá
                       o mesmo
        Você, homem novo
                    Você, mulher nova...
                        [todos Nós
          os molochs modernos
                     civilizados
                         [nós
                       atados
                         aos
                 troncos e trancos
                             da
         vida                             terra

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

EPIGRAMA (Pirro)

Faun és nimfa (1867), by Pál Szinyei Merse
 
Na rua uma ode explode
quando o bandeiro dela se sacode
fico feito doido frenético
cabriolando feito bode

domingo, 14 de setembro de 2014

SURREALISMO POLÍTICO (Pirro)























 
"Ao vencedor, as batatas".
(Machado de Assis)
                              
 Lá se vão os lobos com palavras de anjos
Ganindo pelas ruas de concreto e lama        
Antropofagia de tupinambás espertos,
Sem sarna e com Sarney
Os lobos negociando, conspirando,
Criando estratégias para abocanhar o poder,
Os lobos encenam-se como oposicionistas
De trincheiras amistosas no teatro Tobias Barreto.
Eles ocultam um segredo nessa tragicomédia mundial:
O segredo da loucura pelo dinheiro,
O doce... o pomposo, o vaidoso poder!...
                   Eila! A Matrix...
Galaxys universais, facebookers
Twitters, chips mentais
What’s up!... dizem as ovelhas universotárias.
 
                             II
 
De repente, de uma queda surge Marina
Nevando com Aécio, avexando a revolucionária...
Ela retorna como uma múmia meio Mona Lisa
A Maria do povo, do João-ninguém e solícitos Francos,
Que sacrificou a própria família
pela coligação da astúcia,
Maria tão pálida, tão santa, tão honesta
Com brilho de plástica e botox
E jeito de feiticeira católica.
Elas retornam para reuniões vantajosas
Com muitos líderes bem intencionados
                        Da Matrix
galaxys universais, facebookers,
Twitters, chips mentais
WhatsApp!... dizem as ovelhas da paz e da Justiça.
 
                             III
 
Os lobos vendem boas intenções
A um alto custo e curto prazo
Quando estão rezando na Catedral
              E armando no Congresso.
As conexões, a grana, os chás, os consensos,
Os seletos lobos bebendo Seleta e Old parr
Rindo dos bestilizados e parasitários
Fetichizados pelas esmolas clientelistas,
sem educação, mas com diploma de doutor...
Os filhos da besta cega,
tecnologizados, fartos ou famintos
                   Na Matrix          
Galaxys universais, facebookers
Twitters, chips mentais…
WhatsApp!... dizem as ovelhas dos templos evangélicos.
 
                             IV
 
Os lobos empenham as palavras a ferro frio
Palavras ditas in nome dei...
Arregimentam o cabo eleitoral,
O cargo de comissão, voto de cabresto e de miséria...
Os lobos mapeiam o território
Pelas engrenagens dos cartéis de bandidos engomados,
Para meter a mão no controle-remoto da Matrix.
Todos os partidos partem o bolo de ouro,
E a política secreta, fragmentária, suspeita continua
Partindo, subtraindo, in-gerindo
Pelas graças do espírito santo e dos três poderes.
Ela continua num acordo “transparente”,
vigiada pelas câmeras, holofotes e radares
                 Da Matrix
Galaxys universais, facebookers,
Twitters, chips mentais…
WhatsApp!... dizem os jovens sábios da nação.

                                V
 
Os tempos continuam...
Os lobos terão nomes de praças e viadutos,
E, com desespero, aspiram à eternidade
Para durar na Matrix... e ficar condecorado
No monumento da história da barbárie.
                Eis a Matrix
Galaxys universais, facebookers
Twitters, chips mentais
What’s up...! dizem os lobos honestos de deus.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

POR UM INSTANTE E SETE DIAS - por Pirro

O último julgamento, de Michelangelo.
















Uma virtuosa e douta jararaca
de barba e cabelos brancos
me pegou de peito aberto
e mordeu meu calcanhar de Aquiles.
Por instante, seu veneno
do tamanho de um hipopótamo
paralisou meus neurônios
e tentou corroer minha língua.
Sua pele se despregou de seu corpo
um ancião surgiu cantando de galo.
E com medo do mar e da morte
apontou seu dedo bíblico para mim,
jogou pedras de pragas em minha cabeça e disse:
“Um dia, verei um côco - da teoria da relatividade -
cair em sua cabeça; você dobrando seus joelhos e rogando:
Senhor, perdoe este servo medíocre, que caiu em pecado”.

Por setes dias, senti os efeitos do seu veneno.
Por sete dias, olhos constrangidos
me gretavam de Judas Iscariotes.
Por sete dias, Lilith cantava a música dos revoltados.
Por mais sete dias, fiquei injuriado como Caim e Esaú.
Por mais sete dias, o mendigo Édipo batia em meu peito.
Por mais sete dias, me curei e me convalesci:
um Aquiles nasceu de novo pintado de tupi
vibrando seu martelo e seu punhal
pronto para escalpelar
os virtuosos doutos e seu jararaco deus.
                                                                                 (Pirro)

quinta-feira, 13 de março de 2014

CRÔNICA DA VIDA ORDINÁRIA

OS FILHOS DE DEUS

"Thinker on a rock" (Barry Flanegan)
Estava um dia lindo... Lindo porque o clima parecia suave como uma velha cachaça mineira degustada com caju; e o céu estava meio nublado com indícios de chuva. Senti vontade de dar beijos nas faces da terra e distribuir bons-dias para todos os que passavam por mim.

Subi a Rua Poço do Mero em direção ao Centro da cidade. Carros atrasados e, por isso, apressados, buzivavam para eu sair da frente. Eu saltava para a direita, e eles passavam zunindo em meus ouvidos. Eu contemplava de todos os ângulos a fauna humana civilizada e dizia para mim mesmo: como esses bonecos são tão egoístas tanto quanto seu deus!
    Na esquina do canal de esgotos do D. Pedro, ao lado do Mundo da Construção, eis que eu estou parado esperando o melhor momento para pegar a Avenida Tancredo Neves, um Agile preto veio pela esquerda e avançou agilmente. O som que vinha de dentro daquela praga era monstruoso. Era música de mau gosto, e para piorar, o som era ruidoso e grave como se os alto-falantes estivessem furados. O Agile postou-se como se fosse me trancar. Olhei para o motorista. O mulato, de óculos azuis brilhantes e com cara de cristão pagodeiro, não estava nem aí. Fiquei olhando para ele balançando a cabeça como um calango. Logo que a pista ficou livre do trânsito intenso, que vinha dos diversos redutos da Zona Norte, ele avançou queimando os pneus e passando em minha frente, impedindo meu avanço. Depois que ele passou, eu acelerei. No fundo do Agile havia uma frase escrita: “Não tenha inveja de mim. Esse foi Deus que me deu”. Acelerei meu carro até ficar lado a lado com o sortudo. De propósito, fiquei olhando e admirando aquela massa humana interessante. O passageiro que estava com ele, ao me ver passando, cutucou o amigo. Este esticou seu pescoço, arregalou o olho esquerdo e disse gesticulando com delicadeza:
“O que tá olhando, otário! Vá se foder, seu filho da puta! Mané!”
Como o dia estava lindo e havia entrado em minhas entranhas como um sopro de fiat lux, eu ri e mandei um beijo para ele, seguindo meu caminho contornando o viaduto para entrar na Avenida Osvaldo Aranha.
Entrei com cuidado, sem muita pressa, na mão-direita da Osvaldo Aranha. Olhei a cidade de cima do viaduto e o dia estava - como os meus cabelos - leve e solto. Deu vontade de me lançar no horizonte para além da Barra dos Coqueiros ou quem sabe lá para os lados de Pirambu, e mergulhar na Lagoa Redonda de córregos cristalinos, que são como os olhos de Cecília Miron... Talvez fosse um desejo de fuga para um sonho bucólico. Talvez uma espécie de fobia pelo convívio social... Talvez... mas, pelo menos, alguns dias de fuga poderiam me garantir um relaxamento verde e um breve esquecimento de nossa admirável civilização.
Parei no primeiro sinal da Osvaldo Aranha. Pelo retrovisor interno, eu vi um taxista apontando seu dedo para mim. Parecia ser um dedo rígido e grande como o Dedo de deus que se estende acima da Serra dos Órgãos. Era um galego de cabelos escorridos e tinha cara de ceboleiro. Não entendi por que ele estava apontando seu dedo em minha direção. Por um momento, tive dúvidas se aquela demonstração de amor-ao-próximo era lançada sobre minha face ou se era para outro felizardo.
O sinal verde abriu, como se a esperança tivesse acordado de um pesadelo profundo e tentasse unir os bichos no asfalto da vida moderna. Acelerei o carro levemente, e de modo progressivo. Nisso, o taxista ultrapassou pela esquerda e urrou:
“Vá dirigir carroça de boi, seu corno manso”.
Balancei a cabeça como um calango: hoje é o dia! Eu falei para mim mesmo, Hoje é o dia!... O cara arrancou com tanta velocidade que nem deu tempo de mandar-lhe um beijo, importado de Queriote. Respirei fundo e segui como se nada tivesse acontecido, afinal o dia continuava lindo, embora o tom cinza já começasse a contaminar meu estômago.
Peguei a Rua Mariano Salmeron e passei os sinais verdes das ruas Acre, Sergipe e Bahia. Na mesma mão direita da via, parei no sinal vermelho da Rua Pernambuco com a Salmeron, atrás de um táxi de lotação do Parque dos Faróis. No para-brisa traseiro, havia uma imagem de uma santa envolvida por um rosário. Ao lado da imagem, lia-se uma sábia frase: “Tudo posso naquele que me fortalece”, e um pouco abaixo da frase um letreiro bem grande: “DEUS”. Sacudi minhas sobrancelhas: só pode ser coisa de pobre... pobre de espírito, com essa mania de colocar frases-clichês nos para-brisas de seus automóveis, pensei com um meio-sorriso atravessado na boca.
O sinal verde deu o ar de sua graça. E, então, o táxi de lotação ficou parado onde estava. Quando aprumei a vista, eu vi: lá estava o dedo apontado para mim com toda a civilidade do mundo moderno. O táxi foi saindo lentamente como uma tartaruga de metal. Num acesso de bicho, girei rapidamente o volante para a direita e passei por ele. Instantaneamente, girei para a esquerda e tomei a frente raspando a frente do táxi trancando o filho de deus. Minha intenção era assustá-lo. Acelerei o carro e atravessei a linha férrea da Avenida Rio de Janeiro tentando seguir meu caminho.
Depois que peguei a Rua Laranjeiras subindo em direção ao Centro, olhei pelo retrovisor traseiro não vi sinal do táxi de lotação. Minha cabeça já estava dando vertigem. Na altura do Bairro Cirurgia, passei a mão nos meus cabelos leves e soltos, e pensei: “Calma, cara, calma. O dia está lindo e não merece ser estragado. Você é um bicho racional... racionalize e pense com quantos paus se faz uma canoa, para que você possa nadar no horizonte da Lagoa Redonda”. Então, respirei fundo descendo a Laranjeiras.
No cruzamento da Rua de Siriri, onde as antigas prostitutas de Amando Fontes exorcizavam o fantasma da Ordem e do Progresso, olhei de novo pelo retrovisor e avistei o taxista do lotação fortalecido pelo seu deus, apontando seu dedo para mim, como quem dizendo “você está fodido”. De repente, ao chegar ao sinal da Rua Propriá com Laranjeiras, o filho de deus acelerou sua máquina e passou rente a porta do meu carro me chamando de filho da puta e me trancando. Tive que frear bruscamente para não bater na lateral do táxi. Suei frio e fiquei atônito, com o ódio estampado em meu rosto. O sinal abriu e ele acelerou desaparecendo de minha vista. Fiquei ali parado com os carros, atrás de mim, buzinando em minha alma engasgada... Passei a mão pelo meu rosto, acelerei o carro e segui em frente sem esperar mais nada de proveitoso do lindo dia. Enquanto eu pegava a Rua Capela, lembrei do Messias. Como eu desejei ser o Messias!... Pistoleiro, sim; mas, também, matador de valentões.

sábado, 20 de julho de 2013

MULHER DE CONTABILIDADES - por Pirro

"Números e constelações em amor com uma mulher" (Joan Miró)





















Você, mulher de contabilidades
a beleza geométrica de suas planilhas
não consegue calcular a somatória
de meus desejos somáticos
seus encantadores olhos matemáticos
não enxergam as estrelas
que brilham no porão do meu corpo
onde você se encontra
com sua buceta suculenta
cuja memória me deixa 
                            com água-na-boca.

Você, mulher de ousadias e coragens
em rápida e breve passagem
passou feito a desconhecida de Baudelaire
deixando nas paredes de meu ser-tão
o eco de seu sorriso e de sua voz.

Você, maravilhosa paraense,
consegue medir o que um homem sente
quando se encontra perdido
além da exatidão dos números?

Vem cá, flor de croatá, me diz:
existe sexo por osmose platônica...?
Não sou Platão nem tampou’Camões
estou para os poeta-santos de Xivas
             na medida
       em que me'quilibro
                entre suas coxas
sob o nordestino sol do litoral.