Panóptico

quarta-feira, 29 de julho de 2015

A CRIANÇA QUE FOI MORTA A TIROS POR SOLDADOS EM NYANGA (INGRID JONKER)


A criança não está morta!
Ela levanta os punhos junto à sua mãe.
Quem grita África ! brada o anseio
da liberdade e da estepe,
Dos corações entre cordões de isolamento.
A criança levanta os punhos junto ao seu pai
Na marcha das gerações.
Quem grita África! brada o anseio da justiça e do sangue
Nas ruas, com o orgulho em prontidão para luto
A criança não está morta!
Não em Langa, nem em Nyanga
Não em Orlando, nem em Sharpeville
Nem na delegacia de polícia em Filipos
Onde jaz com uma bala no cérebro
A criança é a sombra escura dos soldados
Em prontidão com fuzis sarracenos e cassetetes
A criança está presente em todas as assembleias e tribunais
Surge aos pares, nas janelas das casas e nos corações das mães
Aquela criança, que só queria brincar sob o sol de Nyanga, está em toda parte!
Tornou-se um homem que marcha por toda a África
O filho crescido, um gigante que atravessa o mundo
Sem dar um só passo.

Tradução livre de Maria Helena D´Eugênio

***
 THE CHILD WHO WAS SHOT DEAD BY SOLDIERS AT NYANGA (INGRID JONKER)
(Tradução para o inglês do original em Africâner)

The child is not dead
The child lifts his fists against his mother
Who shouts Afrika ! shouts the breath
Of freedom and the veld
In the locations of the cordoned heart
The child lifts his fists against his father
in the march of the generations
who shouts Afrika ! shout the breath
of righteousness and blood
in the streets of his embattled pride
The child is not dead
not at Langa nor at Nyanga
not at Orlando nor at Sharpeville
nor at the police station at Philippi
where he lies with a bullet through his brain
The child is the dark shadow of the soldiers
on guard with rifles Saracens and batons
the child is present at all assemblies and law-givings
the child peers through the windows of houses and into the hearts of mothers
this child who just wanted to play in the sun at Nyanga is everywhere
the child grown to a man treks through all Africa
the child grown into a giant journeys through the whole world
Without a pass.

sábado, 18 de outubro de 2014

ABRE AS PERNAS VIDA, ABRE

"Abaporu" (Tarsila do Amaral)

Abre as pernas vida, abre
nesta noite americana
que se debruça
como uma gata no cio
nos telhados de Aracaju.
Minha alma erguida espera
a mulher que ama
para celebrar a gravidez
dos perfect days
na voz de Lou Reed.

Abre os olhos vida, abre
que estou arquitetando
uma arapuca para pegar
o Congresso e a Catedral.
Esses ídolos falidos mentiram
para os meus camaradas.

Abre o espírito vida, abre
que em meus olhos
relampejam o riso
por suas crenças
politicamente corretas
que enobrecem de verdade
suas virtudes, poses e mesas de jantar
como o "discreto charme” de Buñuel.

Abre a boca vida, abre
eles precisam ouvir
o que temos a dizer
sobre o jogo do bicho
que se oculta
em suas assembléias
e roupas bem passadas.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

CORPO QUENTE (Pirro)



by Leonid Afremov
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quando meu quarto se torna uma prisão
em noites de sábado sem ninguém
saio andando pelas ruas do bairro
em busca de um animado xodó
que tenha um corpo quente
que dance comigo na noite
embalado por doses de aguardente
 
Fico na praça... na mesa de um bar
vejo homens barrocos indo às igrejas
suas mulheres se parecem com santas
seus rostos tristes, frios e sem cores
expressam o medo por um corpo quente
que queima como um velho aguardente.
 
Bebo uma dose, ouço o Creedence,
mulheres me olham no olhar
noites intensas cheias de promessas
que seja eterno enquanto durar!
elas desejam um corpo quente
que as deixe como uma criança contente
 
Todas elas pensam em casamento
fazem planos e amam sem limites
mas tudo esfria com o tempo...
então elas se lançam ao proibido
sem apegos, indiferentes
na busca de um corpo quente
 
Oh, elas buscam um corpo quente
como quem bebe o carpe diem
das pequenas e doces coisas
deste rio que passa,
e me convida para navegar

sábado, 27 de setembro de 2014

POEMA EM LINHA TORTA (Pirro)

"Moloch" by Lynd Ward (1980)

                      










                      
                      Seja lá
                      qual for
                      a sua
              nova identidade,
                         por onde quer
           annnnnnnnnnde
                      ou
                     nnnnnnnnnnnade,
                         o fundo
                               do seu rio
             permanecerá
                       o mesmo
        Você, homem novo
                    Você, mulher nova...
                        [todos Nós
          os molochs modernos
                     civilizados
                         [nós
                       atados
                         aos
                 troncos e trancos
                             da
         vida                             terra

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

EPIGRAMA (Pirro)

Faun és nimfa (1867), by Pál Szinyei Merse
 
Na rua uma ode explode
quando o bandeiro dela se sacode
fico feito doido frenético
cabriolando feito bode

domingo, 14 de setembro de 2014

SURREALISMO POLÍTICO (Pirro)























 
"Ao vencedor, as batatas".
(Machado de Assis)
                              
 Lá se vão os lobos com palavras de anjos
Ganindo pelas ruas de concreto e lama        
Antropofagia de tupinambás espertos,
Sem sarna e com Sarney
Os lobos negociando, conspirando,
Criando estratégias para abocanhar o poder,
Os lobos encenam-se como oposicionistas
De trincheiras amistosas no teatro Tobias Barreto.
Eles ocultam um segredo nessa tragicomédia mundial:
O segredo da loucura pelo dinheiro,
O doce... o pomposo, o vaidoso poder!...
                   Eila! A Matrix...
Galaxys universais, facebookers
Twitters, chips mentais
What’s up!... dizem as ovelhas universotárias.
 
                             II
 
De repente, de uma queda surge Marina
Nevando com Aécio, avexando a revolucionária...
Ela retorna como uma múmia meio Mona Lisa
A Maria do povo, do João-ninguém e solícitos Francos,
Que sacrificou a própria família
pela coligação da astúcia,
Maria tão pálida, tão santa, tão honesta
Com brilho de plástica e botox
E jeito de feiticeira católica.
Elas retornam para reuniões vantajosas
Com muitos líderes bem intencionados
                        Da Matrix
galaxys universais, facebookers,
Twitters, chips mentais
WhatsApp!... dizem as ovelhas da paz e da Justiça.
 
                             III
 
Os lobos vendem boas intenções
A um alto custo e curto prazo
Quando estão rezando na Catedral
              E armando no Congresso.
As conexões, a grana, os chás, os consensos,
Os seletos lobos bebendo Seleta e Old parr
Rindo dos bestilizados e parasitários
Fetichizados pelas esmolas clientelistas,
sem educação, mas com diploma de doutor...
Os filhos da besta cega,
tecnologizados, fartos ou famintos
                   Na Matrix          
Galaxys universais, facebookers
Twitters, chips mentais…
WhatsApp!... dizem as ovelhas dos templos evangélicos.
 
                             IV
 
Os lobos empenham as palavras a ferro frio
Palavras ditas in nome dei...
Arregimentam o cabo eleitoral,
O cargo de comissão, voto de cabresto e de miséria...
Os lobos mapeiam o território
Pelas engrenagens dos cartéis de bandidos engomados,
Para meter a mão no controle-remoto da Matrix.
Todos os partidos partem o bolo de ouro,
E a política secreta, fragmentária, suspeita continua
Partindo, subtraindo, in-gerindo
Pelas graças do espírito santo e dos três poderes.
Ela continua num acordo “transparente”,
vigiada pelas câmeras, holofotes e radares
                 Da Matrix
Galaxys universais, facebookers,
Twitters, chips mentais…
WhatsApp!... dizem os jovens sábios da nação.

                                V
 
Os tempos continuam...
Os lobos terão nomes de praças e viadutos,
E, com desespero, aspiram à eternidade
Para durar na Matrix... e ficar condecorado
No monumento da história da barbárie.
                Eis a Matrix
Galaxys universais, facebookers
Twitters, chips mentais
What’s up...! dizem os lobos honestos de deus.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

POR UM INSTANTE E SETE DIAS - por Pirro

O último julgamento, de Michelangelo.
















Uma virtuosa e douta jararaca
de barba e cabelos brancos
me pegou de peito aberto
e mordeu meu calcanhar de Aquiles.
Por instante, seu veneno
do tamanho de um hipopótamo
paralisou meus neurônios
e tentou corroer minha língua.
Sua pele se despregou de seu corpo
um ancião surgiu cantando de galo.
E com medo do mar e da morte
apontou seu dedo bíblico para mim,
jogou pedras de pragas em minha cabeça e disse:
“Um dia, verei um côco - da teoria da relatividade -
cair em sua cabeça; você dobrando seus joelhos e rogando:
Senhor, perdoe este servo medíocre, que caiu em pecado”.

Por setes dias, senti os efeitos do seu veneno.
Por sete dias, olhos constrangidos
me gretavam de Judas Iscariotes.
Por sete dias, Lilith cantava a música dos revoltados.
Por mais sete dias, fiquei injuriado como Caim e Esaú.
Por mais sete dias, o mendigo Édipo batia em meu peito.
Por mais sete dias, me curei e me convalesci:
um Aquiles nasceu de novo pintado de tupi
vibrando seu martelo e seu punhal
pronto para escalpelar
os virtuosos doutos e seu jararaco deus.
                                                                                 (Pirro)