Cena do filme A Fronteira da Alvorada (La Frontière de l'aube, 2008), do diretor Philippe Garrel. |
Para Mary
A noite surgiu
no acender das lâmpadas:
nos encontramos na sala, baby
tão próximos, tão distantes
como dois animais exóticos
encurralados contra a parede
de nosso próprio pacto diabólico.
Enquanto Rilke me revela a vida
sorrindo pro Aberto do mundo,
você saboreia a novela das oito
esparramada sobre o sofá
na fantasia de um happy end.
We're chained, baby
no (des)encontro e contra-choques de nós:
passamos tagarelantes ou silenciosos
poucas vezes de mãos dadas pela rua;
nos atracamos pelos cabelos e pentelhos
na escuridão de nossos segredos
confissões e degredos
sob os lençóis
de uma madrugada fria.
Que imagem tão comum:
eu de cueca
matutando com o mundo
e você de calcinha
sonhando debruçada
sobre os rabiscos de futuros planos.
Já é dia:
como as estações
passam apressadas!
Você pega o táxi-de-lotação
e segue seu caminho
como uma abelha-operária
muitas vezes entediada,
dizendo que "o mundo é cruel",
e se fazendo de "defunto
pra meter o dedo
no cu do coveiro".
Eu pego o ônibus coletivo
e corro para os combates
de todos os dias
matando um leão feito açougueiro
para tentar recriar
novos valores, novos sentidos
novos amores, novos ódios
novas trocas e fatias
com cheiro de pó e fumaça da terra,
entre delírios poéticofilosóficos,
tubos de biritas, livros e canções.
Mas apesar de tudo
e antes que a terra me chame de volta,
“as difíceis palavras”
que engasgaram Bukowiski,
eu também as digo
depois de muitos engasgos,
silêncios
e
paranóias:
“eu te amo”.
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