"Sertão" In: http://mboitata.wordpress.com/2010/05/19/sertao/ |
Andei pelos outeiros e terras de caatinga
onde os animais farejam a eternidade
ouvindo ao longe
o aboio rouquenho de meus ancestrais.
Tive a companhia dos cães
nas estradas da noite
onde às vezes me assustava
com o movimento dos mameleiros
no escuro das encruzilhadas do sertão.
Com o tempo descobri que não havia fantasmas
e deus não passava de uma ilusão travessa.
Vi homens coçando suas cabeças
e contando os seus parcos vinténs
entre seus dedos encardidos
como se os calos da vida apertassem os pés
dentro de seus rolós couro-de-bode
nos sábados de feira em Itabi.
Não esqueci dos amantes na praça
jurando o mundo e o fundo
em suas alegres sacanagraças
sem se preocupar com as curvas do futuro.
Uma noite, filmei como Almodóvar,
a jovem desesperada agarrar
o facão da madrugada cortante
e dizer que a vida não tinha sentido,
mas o sol bateu em seu inocente rosto
ela desistiu, pegou a estrada e partiu.
Flagrei os católicos e os evangélicos
polindo o trono do santo mercado
para enfeitiçar a manada confusa.
Vi homens alimentando seus casamentos
em copos e mais copos no Deskite Bar,
e suas mulheres mal-humoradas
indo todos os dias à missa das sete
para adorar o homem crucificado.
Fotografei um garoto levar um cascudo do pai
por ter furtado inocentemente um bago de cana:
foi sua primeira lição na escola da vida.
Em meio ao milharal a se perder de vista
ele bateu sua primeira punheta
e sentiu o sol banhar o espírito:
foi sua primeira forma de auto-conhecimento.
Ouvi as mães chorarem de alegria
na dor do parto
porque o futuro rebento da Terra
acabara de vir à luz
para perpetuar a semente.
O sol ancestral de(s)marca auto-estrada
trilhas, cidades, pastagens, plantações,
prisões e livrarbítrios: aponta a seta nos confins
d’alguma meta...
O Sertão de Dionísio sofre e canta
os movimentos embriagados da criação
nos corações que estrondam e pulsam
tornando-se nervosas fibras de aço
para suportar as tempestades
e as peripécias do destino.
(Pirro)