(By Charles Burns - album Brick by Brick, de Iggy Pop) |
“Mostrai-vos sempre prontos a falar sem rebuços e os pulhas vos evitarão” (William Blake).
I
Vou farejando
minha idéia fixa,
como um cão vagabundo
em busca de um pedaço
de osso carnudo
pelas ruas de domingo
no bairro
então me bato com vocês, pigmeus de deus,
que me dizem olá e me estendem a mão.
Eu falo um bom dia, um boa noite
feito diabo dissimulado
e acredito realmente
que vocês vão com a minha cara.
Vejo em todos a imagem
de pregos metidos a martelo!
seus espíritos parecem uma manada
no comodismo de suas pastagens:
schincariol, pagode, axé, deus, Jesus cristo.
Suas crenças são alegrezinhas e falíveis,
seus partidos se espatifam nos esgotos
de suas assembléias e conspirações,
suas mulheres estão depressivas
e vocês estão nervosos.
Se viciaram demais em suas drogas morais
acabaram se intoxicando
e ficaram atrofiados.
Seus sacerdotes e mandatários
querem envenenar a Terra, o corpo,
as coisas, as casas tranqüilas,
os homens e mulheres sadias
com os decretos-leis
de suas neuroses e pessimismos.
Eu sei que por trás de ternos
e casacos de veludo deles
existe um homem morto
com sua fé e sua verdade,
que desiludidos tentam recompor
os cacos de seus ídolos
numa cruzada criminosa contra a vida.
Que por isso se castram a si próprios
e estão pagando um alto preço.
Vocês desejam o céu e ele cheira a sangue:
creio que os santos vão chegar lá
numa bela sexta-feira santa sem datas.
II
E enquanto vocês enchem a cabeça
com mil toneladas de tolices,
estou dançando cheio de vida e vinho
chupando a manga suculenta
de minha puta mais atilada
em qualquer lugar do mundo,
aceitando os meus prós e os meus contras.
E como sou um animal político
e adoro minha máscara,
vamos continuar dizendo olá
apertando a mão com jeito
e encenando um feliz carnaval... ou ano novo.
Ouçam senhores da bondade,
sacerdotes do amor e da democracia,
eu sei o que estimo e aprecio na vida!
por isso vou como barco seguro
saboreando a fúria do vendaval
e o deslizar do Rio São Francisco:
sim, sei curtir minha onda.
Vocês, benfeitores da humanidade
seguem ditando suas regras e modas
como num comboio de carros luxuosos
com potência de 600 cavalos
e não-sei-que-das-quantas
desembestando suas angústias
pelos bulevares do mundo.
Como vocês fazem tempestade
num copo d’água!
E como são desconfiados e esquivos
por trás do paraíso
por trás do paraíso
de seus shopping centers!
Sem dúvida, vocês progrediram
e inventaram a modernidade
e o sexo virtual.
Eu os saúdo e alegro-me com vocês –
afinal, somos filhos do século XXI.
Contudo, meus chapas
vocês bestificaram o espírito
e ele não enxerga mais seus feitos
demasiados humanos:
a Terra o corpo o sangue o suor a sexualidade a cultura
as corporações químicas-fisiológicas-materiais-tecnológicas:
tudo argila sagrada de nossas mãos,
ó animal entre os animais!
No entanto, vocês são filhos do pecado
aprisionados na camisa de força
de seu tristíssimo deus.
Por isso condenam a vida terreno-mundana
das mulheres masofogosas
e de homens que as levam no colo,
receitando o veneno injuriado para os pequenos moralistas
que parecem molambos em cima do muro.
Quando é que vocês arrancarão os farrapos de deus
e se tornarão aristocratas do espírito?
Quando deixarei de ouvir suas lamentações
de Jeremias sentimentais
e de diabinhos arrependidos?
e de diabinhos arrependidos?
III
De qualquer modo vamos continuar dizendo olá
enquanto eu sigo minhas veredas
andando com o Velho Whitman,
Buk, Miller, Fante, Fonseca
e com todos os meus velhos camaradas
trocando com vocês cartas, fichas, moedas
e afetos que não podem ser pronunciados.
Vocês continuam vagando com seus paradigmas
tateando a cruz dos pessimistas neuróticos;
e eu pegarei o coletivo da vida
e seguirei tranqüilo
respirando a leveza dos pardais vadios
porque me tornei meu quando e meu onde:
agora existo e o momento é tudo,
a Terra é o seu sentido e dele me apossei.
É dela o meu corpespírito, sua plantação
e colheita, alimentação e eletricidade
amores violentos, trepadas e renascimentos.
Sou eu meu próprio deus e meu próprio demônio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário