Panóptico

segunda-feira, 6 de junho de 2011

ODE AO ESPÍRITO MARGINAL (por Pirro)


Johnny Cash, por Jim Marshall.





Para Sérgio Dedão, Vardeleno de Assaré, Beto Oão, Clark Bruno, Marcelo Paulista e Caburé. A todos os espíritos revoltados.








Meus camaradas, quando os nossos punhos
vibram nos quatro ventos
a Terra pulsa abaixo e dentro de nós
como um acorde de Rock and roll
ecoando alucinado em nossas veias.
Diante de nossos versos (in)decentes
os vermes da tartufice se enfiam
debaixo do tapete e rezam
como lesmas sacrossantas
para que os seus deuses nos apedrejem.
As baforadas de ervas e bate-papos
nas tardes de biritas e preleções nietzschianas
significam o renascimento do mundo
sobre as cinzas dos fantoches e fetiches
de nossa civilização arrogante.


Não pretendemos salvar a humanidade
porque a humanidade nunca esteve perdida
ela apenas deu corda aos seus próprios fantasmas.
À margem de qualquer pregação
apenas vivemos dançando bebendo lutando
por um lugar ao sol
no cimento inabalável dos dias
subindo e descendo as ruas
cheias de nervos e eletricidade.


Pouco importa a nós, meus camaradas
esse bando de Jeremias tateando o nada
engolindo as promessas dos promotores
da política e da (agri)cultura do rebanho.
A química de nosso estômago e artérias
consiste nas fibras de relâmpagos e trovões
temos colhões, o mundo e as mulheres
estão do nosso lado
porque sempre estaremos cantando
suas paixões mais vitais –
todas as coisas, acasos, acontecimentos
e impulsos telúricos falam
a nossa língua  além-do-bem-e-do-mal.
Os eunucos de deus já estão mortos há tempos
seja em Aracaju, São Paulo, Paris ou New York;
suas rezas e seus ideais prontos e acabados
foram soterrados pela bomba-relógio da história.


Os socos nas paredes do atraso mental,
a galhofa de sátiro dando pinotes
dentro e fora de nós,
o olhar de carcará do nosso espírito
copulando com as dissimulações sadias,
o jogo de cintura e as esporas
que trazemos afiadas para conduzir
as modernas bestas de carga -
tudo isso foi sacado por nós
por força ética de nossos bons modos
que cheira como o estrumo das ruas.


O coração bate a mil por hora
como tambores primitivos,
o corpo parece bandeiras multicoloridas
tremulando num Fla-Flu com estádio lotado,
quando temos a vida e o mundo do nosso modo
com torcida feminina e tudo.
Ah, essas bucetas sagradas
que tocam fogo no mundo
desfilam pelas avenidas da cidade
contemplando as vitrines de seus sonhos
como se estivessem tecendo
uma armadilha para seus amantes;
que ficam doidos por esses belos demônios
como os benditos poetas-santos de Xiva
que vieram percorrendo “mundos impossíveis”
pelas maravilhas-de-saia através dos séculos.
E assim, todo o mundo que se alarga além de nós
ressuscita na eterna aliança dos amantes
que se lançam na licença poética
de suas trepadas mais intensas.


Nós, os carpinteiros da vida
construiremos um santuário
com nossas fêmeas mais nobres
no centro de um imenso vinhedo
para que possamos nos sábados à noite
fazer a festa nos becos do universo;
e deixar que a natureza copule
em copos cheios e férteis
para que nesse planeta heterossexual
um novo homem e uma nova mulher
venham à luz e perpetuem as crias mais dotadas
em torno e além de si na imortalidade do sangue.


Na verdade, meus camaradas
o futuro é onde estamos
já somos seu ancestral;
os filhos da geração fodida
a deitar por terra todos os valores
que até hoje fizeram do bicho-homem
uma ameba neurastênica.
Já somos em qualquer canto do mundo
os grandes animais que arrancaram
as máscaras de ferro de todas as condutas exemplares:
cuspimos educadamente nos altares pomposos
e nos curamos do veneno dos piratas da moral.
Temos agora a saúde dos convalescentes
que cavalgam para o Aberto mundano de Rilke
onde o doce e o sal da travessia é experimentado
e vivido com a mesma intensidade
sem a acusação do tribunal da consciência.


Somos nós a algazarra dos libertinos
e a prudência dos transgressores
atados pela ponte do destino.
Nossa bravura marginal, my brothers
é redimir a Terra-mundo das dívidas e dúvidas
como quem fuma seu cigarro
observando as correntezas do Rio Sergipe
e ouvindo a velha filosofia do Mercado Central.

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