Panóptico

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A UMA DESCONHECIDA (por Pirro)

"Mulata" (1972), by Di Cavalcante.





















Como numa tela de Di Cavalcante
vejo a nêga mais bela do Bugio
passando em minha porta
como um gato ágil e desconfiado.
Observo a eletricidade 
de seus movimentos
e lembro-me de Jackie Brown
iluminando o concreto urbano
de meus pulmões e mente.
Lá vai ela como noite selvagem
excitando o sangue de meus instintos...
Alheia às minhas sensações,
a nêga desaparece na esquina,
e fico tão bêbado como Bukowski
observando o saculejo do pandeiro dela.
A música pára de tocar no cd,
repito o disco e faço a cabeça
esperando ansiosamente ela retornar.
Creio que a vida pulsa por isso:
bebo, fodo, fumo e morro fumegante
para o sol do dia seguinte.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

PARA SANTOS E LEÕES (por Heitor Andrade)


(fotografia do filme Desejo e Obsesseção de 2001, com Vincent Gallo)













Que venham as pedras!
E os leões sem pecado
Que me afagam a pele,
Devoram a alma de carne
Por completo desprezo.
Para a nódoa que me trouxestes hoje,
E a cada dia,
Já não há mais lugar.
Meu lençol não é santo,
Como não é santo esse altar.
Venham, espinhos!
Dirimir os pecados,
Santificar a puta dissimulada
Em oblíquos olhos de ressaca.
Ainda tenho vinho tinto, rosas vermelhas
Ritmo do corpo, sangue fervente.
Venham sem medo!
Leões, famintos, em pecado
Putas-santas, em seus mantos vermelhos,
Devorar a carne da alma
Em completo desprezo.

                                                              Heitor Andrade

domingo, 5 de fevereiro de 2012

INVECTIVA PÓ-ÉTICA (por Pirro)
















Por que estou olhando o sol frio da madrugada,
no outro lado da cidade 
sem boates nem shopping centers?
Por que contemplo as bucetas divinas
que passam pulsantes 
diante de meus olhos de carcará?


Por que me chapo de cachaça até a tampa
nas mofadas tardes aracajuanas?
Por que busco acender uma chama  
entre as bestas mascaradas de cordeiros
que pastam nos campus universotários?


Por que ando plantando escarros
no meio de uma legião de hipócritas cristãos,
que ainda celebra o que há tempos 
já não pode ser celebrado?
Por que proclamar a igualdade,
se existem idiotas para serem domesticados?


Ora, ora... fodam-se os sacerdotes de plantão!


Felizes são aqueles que buscam 
            no chiqueiro de suas vidas
            uma postura pó-ética
            que afirme a vida em seu constante devir
            sem rezas, auto-ajuda ou metafísica.


Felizes aqueles que sabem colher ervas
            em seu próprio quintal,
            sem se preocupar 
            com o barulho messiânico
            do outro lado do muro.