Panóptico

sexta-feira, 17 de junho de 2016

DE CORDEIROS E ICONOCLASTAS




Quadro de Augusto César




















Nas profundezas de um mar morto
Lá estão os mortos vivos, homens náufragos –
Que sangram suas retinas
Na armadilha dos apóstolos,
Neuróticos assassinos dos espíritos livres.

Por sobre arranha-céus e favelas
o porvir está vindo num pavio de pólvora
trazendo, quem sabe, os restos mortais de deus
(que nunca existiu de fato),
no instante em que “os cães ladram, mas caravana não pára”.
E o sonho está logo ali
como um futuro medonho
cheirando os calcanhares dos cordeiros.

Nosso grito precipita-se no ar
E pousa como um macuquinho
Numa represa gelada de homens,
Onde o canto contorcido dos beatniks 
Resiste lambendo suas próprias feridas
Sem remorsos nem lamentos.

Indistintos clarões de luz
explodem nos bairros sujos de caras muito loucos.
Esses loucos são uma outra estirpe de cardumes
movimentando os parafusos e as ferramentas
herdadas das mãos ensanguentadas
dos velhos iconoclastas malditos.

TOADA DE UMA VIDA (por Pirro)



Mais um círculo que se fecha
Que se completa em minha vida
Sei que estou ficando velho
Preso em minha sorte bendita
Mas até fechar os olhos
A paixão será minha medida.

Cada dia que vejo o sol
E ouço cantos dos passarinhos
Vem uma largueza no peito
Queimando feito vinho
O coração pula sem jeito
Vou cavalgando de mansinho.


Meu lema é viver nas alturas
Meu carpe diem é intenso
Mergulhando nas aventuras
Amando feito mar imenso
Agitado e embriagado
Pelos amores turbulentos.

Leio os dramas profundos
De romances e poesias
Jorrando nos livros do mundo
De vaidades e fidalguias
Por isso me refaço sempre
Com silenciosa sabedoria.

Sou vaqueiro rock and roll
Cosmopolita expatriado
Sigo fazendo o meu show
Na escuridão do anonimato
Sou matuto do sertão
Mas nunca fui alienado.
                                                                               
No riacho desta vida
Tenho muito que contar
Nada de arrependimento
Porque aprendi e sei nadar
Tenho meus próprios tormentos
Mas sigo os trilhos sem rezar.

No tom desta toada
Corro despido para poente
Pisando em normas sagradas
Perseverando sem vacilar
Sou filho da terra amada
E em seu pó irei findar.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O ROMANCE DOS MASSACRES - por PIER PAOLO PASOLINI


Tela de Augusto César (Artista plástico sergipano)



























Eu sei.
Eu sei os nomes dos responsáveis pelo que tem sido
chamado de "golpe" (e que na realidade é uma série de "golpes" instituída como sistema de proteção do poder).
Eu sei os nomes dos responsáveis pelo massacre de Milão de 12 de dezembro de 1969.
Eu sei os nomes dos responsáveis pelos massacres de Brescia e de
Bolonha cometidos nos primeiros meses de 1974.
Eu sei dos nomes da "cúpula" que, portanto, manobrou quer os velhos farsistas mentores de "golpes", quer os neofascistas autores materiais dos primeiros massacres, quer os desconhecidos autores materiais dos massacres mais correntes.
Eu sei os nomes que gerenciaram as duas diferentes, ou melhor,
opostas fases da tensão: uma primeira fase anticomunista (Milão, 1969) e uma segunda fase antifascista (Brescia e Bolonha, 1974).
Eu sei os nomes dos grupos de poderosos que, com a ajuda da CIA
(e, em segundo lugar, dos coronéis  gregos da máfia), primeiro criaram (aliás, fracassando miseravelmente) uma cruzada anticomunista, para tamponar o 68, e, em seguida, sempre com a ajuda e sob a inspiração da CIA, reconstituíram  para si uma virgindade antifascista, para tamponar o desastre do "referendum".
Eu sei os nomes daqueles que, entre uma Missa e outra, deram as instruções e asseguraram  a proteção política  a velhos generais
(para manter de pé, na reserva, a reorganização de um potencial golpe de Estado), a jovens neofascistas , ou melhor, neonazistas (para criar concretamente a tensão anticomunista) e, por fim, 
a criminosos comuns, até este momento, e talvez para sempre,
sem nome (para criar a sucessiva tensão antifascista.
Eu sei os nomes das pessoas sérias e importantes que estão por trás
de personagens cômicas como aquele general da Florestal
que operava muito operisticamente, na Cidade Ducal,
(enquanto os bosques italianos queimavam),
ou personagens cinzentas e puramente organizativas, 
 como o general Miceli.
Eu sei os nomes das pessoas sérias e importantes que estão por trás
dos trágicos rapazes que escolheram as suicidas atrocidades fascistas e dos malfeitores comuns, sicilianos ou não,
que se puseram à disposição, como assassinos e sicários.
 Eu sei todos esses nomes e sei todos os fatos (atentados às instituições e massacres) de que se tornaram culpados.
Eu sei.
Mas não tenho provas. Não tenho nem sequer indícios.
 Eu sei porque sou um intelectual, um escritor que tenta acompanhar tudo o que acontece,
conhecer tudo o que se escreve a respeito, 
imaginar tudo o que não se sabe ou que se cala;
que articula fatos mesmos distantes,
que reúne os cacos desorganizados e fragmentários
de todo um quadro político coerente, que restabelece a lógica 
ali onde parecem reinar a arbitrariedade, a loucura e o mistério.[...]

Poema extraido da Revista Cult, nº 196, ano 17, nov. 2014.
Tradução: Maurício Santana Dias / Escritos corsários.