Panóptico

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O ROMANCE DOS MASSACRES - por PIER PAOLO PASOLINI


Tela de Augusto César (Artista plástico sergipano)



























Eu sei.
Eu sei os nomes dos responsáveis pelo que tem sido
chamado de "golpe" (e que na realidade é uma série de "golpes" instituída como sistema de proteção do poder).
Eu sei os nomes dos responsáveis pelo massacre de Milão de 12 de dezembro de 1969.
Eu sei os nomes dos responsáveis pelos massacres de Brescia e de
Bolonha cometidos nos primeiros meses de 1974.
Eu sei dos nomes da "cúpula" que, portanto, manobrou quer os velhos farsistas mentores de "golpes", quer os neofascistas autores materiais dos primeiros massacres, quer os desconhecidos autores materiais dos massacres mais correntes.
Eu sei os nomes que gerenciaram as duas diferentes, ou melhor,
opostas fases da tensão: uma primeira fase anticomunista (Milão, 1969) e uma segunda fase antifascista (Brescia e Bolonha, 1974).
Eu sei os nomes dos grupos de poderosos que, com a ajuda da CIA
(e, em segundo lugar, dos coronéis  gregos da máfia), primeiro criaram (aliás, fracassando miseravelmente) uma cruzada anticomunista, para tamponar o 68, e, em seguida, sempre com a ajuda e sob a inspiração da CIA, reconstituíram  para si uma virgindade antifascista, para tamponar o desastre do "referendum".
Eu sei os nomes daqueles que, entre uma Missa e outra, deram as instruções e asseguraram  a proteção política  a velhos generais
(para manter de pé, na reserva, a reorganização de um potencial golpe de Estado), a jovens neofascistas , ou melhor, neonazistas (para criar concretamente a tensão anticomunista) e, por fim, 
a criminosos comuns, até este momento, e talvez para sempre,
sem nome (para criar a sucessiva tensão antifascista.
Eu sei os nomes das pessoas sérias e importantes que estão por trás
de personagens cômicas como aquele general da Florestal
que operava muito operisticamente, na Cidade Ducal,
(enquanto os bosques italianos queimavam),
ou personagens cinzentas e puramente organizativas, 
 como o general Miceli.
Eu sei os nomes das pessoas sérias e importantes que estão por trás
dos trágicos rapazes que escolheram as suicidas atrocidades fascistas e dos malfeitores comuns, sicilianos ou não,
que se puseram à disposição, como assassinos e sicários.
 Eu sei todos esses nomes e sei todos os fatos (atentados às instituições e massacres) de que se tornaram culpados.
Eu sei.
Mas não tenho provas. Não tenho nem sequer indícios.
 Eu sei porque sou um intelectual, um escritor que tenta acompanhar tudo o que acontece,
conhecer tudo o que se escreve a respeito, 
imaginar tudo o que não se sabe ou que se cala;
que articula fatos mesmos distantes,
que reúne os cacos desorganizados e fragmentários
de todo um quadro político coerente, que restabelece a lógica 
ali onde parecem reinar a arbitrariedade, a loucura e o mistério.[...]

Poema extraido da Revista Cult, nº 196, ano 17, nov. 2014.
Tradução: Maurício Santana Dias / Escritos corsários.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

ANALFABETA - por SANDRA BRETAS

(Mulher descalça de mãos vazias - por Gregório Múcio)

Permito que os nossos corpos
debrucem sobre a melancólica pedra do esquecimento
desnudados de ilusões e da tentação lasciva do efêmero
o que foi passado é canto de rouxinol, para servir de alento
ao meu insaciável apetite de emoções, estética e ética

eu que sou analfabeta
dos caminhos que traçam os corações dos homens
dos caminhos que traçam os corações dos animais
não sei lapidar pedras, nem lascar pedras, nem lavrar pedras
fico só a contemplar o pálido mármore

se jogar o lápis fora, torno-me também pedras
e antes que tais estranhos momentos levem candelabros para os
muem-bote¹.
           o líquido vermelho tinto escorregará na ponta enferrujada da
           ferramenta

Denunciando

essa mulher em vida foi analfabeta
dos caminhos que traçam os corações do planeta
em terras abajo terras, rio abajo rio
não crescerá o jasmim da infância
crescerá poesia queimada ao sol
muda, fundida com pedras, da cor de lavanda e areia
vigiando o tempo de mãos dadas com a eternidade
colherei no efêmero o pó que soprei em vida.


¹ Segundo os budistas: espíritos inquietos sem parentes para enterrá-los.




sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

AYAAN HIRSI ALI - DISCURSO NA UNIVERSIDADE DE WISCONSIN (LEGENDADO)

Ayaan Hirsi Ali - Uma convidada heróica e exemplar falando sobre os abusos às mulheres por muçulmanos, as ameaças de morte recebidas devido ao seu trabalho na Holanda e sua jornada de vida se libertando da escravidão do islam.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

A CRIANÇA QUE FOI MORTA A TIROS POR SOLDADOS EM NYANGA (INGRID JONKER)


A criança não está morta!
Ela levanta os punhos junto à sua mãe.
Quem grita África ! brada o anseio
da liberdade e da estepe,
Dos corações entre cordões de isolamento.
A criança levanta os punhos junto ao seu pai
Na marcha das gerações.
Quem grita África! brada o anseio da justiça e do sangue
Nas ruas, com o orgulho em prontidão para luto
A criança não está morta!
Não em Langa, nem em Nyanga
Não em Orlando, nem em Sharpeville
Nem na delegacia de polícia em Filipos
Onde jaz com uma bala no cérebro
A criança é a sombra escura dos soldados
Em prontidão com fuzis sarracenos e cassetetes
A criança está presente em todas as assembleias e tribunais
Surge aos pares, nas janelas das casas e nos corações das mães
Aquela criança, que só queria brincar sob o sol de Nyanga, está em toda parte!
Tornou-se um homem que marcha por toda a África
O filho crescido, um gigante que atravessa o mundo
Sem dar um só passo.

Tradução livre de Maria Helena D´Eugênio

***
 THE CHILD WHO WAS SHOT DEAD BY SOLDIERS AT NYANGA (INGRID JONKER)
(Tradução para o inglês do original em Africâner)

The child is not dead
The child lifts his fists against his mother
Who shouts Afrika ! shouts the breath
Of freedom and the veld
In the locations of the cordoned heart
The child lifts his fists against his father
in the march of the generations
who shouts Afrika ! shout the breath
of righteousness and blood
in the streets of his embattled pride
The child is not dead
not at Langa nor at Nyanga
not at Orlando nor at Sharpeville
nor at the police station at Philippi
where he lies with a bullet through his brain
The child is the dark shadow of the soldiers
on guard with rifles Saracens and batons
the child is present at all assemblies and law-givings
the child peers through the windows of houses and into the hearts of mothers
this child who just wanted to play in the sun at Nyanga is everywhere
the child grown to a man treks through all Africa
the child grown into a giant journeys through the whole world
Without a pass.

sábado, 18 de outubro de 2014

ABRE AS PERNAS VIDA, ABRE

"Abaporu" (Tarsila do Amaral)

Abre as pernas vida, abre
nesta noite americana
que se debruça
como uma gata no cio
nos telhados de Aracaju.
Minha alma erguida espera
a mulher que ama
para celebrar a gravidez
dos perfect days
na voz de Lou Reed.

Abre os olhos vida, abre
que estou arquitetando
uma arapuca para pegar
o Congresso e a Catedral.
Esses ídolos falidos mentiram
para os meus camaradas.

Abre o espírito vida, abre
que em meus olhos
relampejam o riso
por suas crenças
politicamente corretas
que enobrecem de verdade
suas virtudes, poses e mesas de jantar
como o "discreto charme” de Buñuel.

Abre a boca vida, abre
eles precisam ouvir
o que temos a dizer
sobre o jogo do bicho
que se oculta
em suas assembléias
e roupas bem passadas.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

CORPO QUENTE (Pirro)



by Leonid Afremov
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quando meu quarto se torna uma prisão
em noites de sábado sem ninguém
saio andando pelas ruas do bairro
em busca de um animado xodó
que tenha um corpo quente
que dance comigo na noite
embalado por doses de aguardente
 
Fico na praça... na mesa de um bar
vejo homens barrocos indo às igrejas
suas mulheres se parecem com santas
seus rostos tristes, frios e sem cores
expressam o medo por um corpo quente
que queima como um velho aguardente.
 
Bebo uma dose, ouço o Creedence,
mulheres me olham no olhar
noites intensas cheias de promessas
que seja eterno enquanto durar!
elas desejam um corpo quente
que as deixe como uma criança contente
 
Todas elas pensam em casamento
fazem planos e amam sem limites
mas tudo esfria com o tempo...
então elas se lançam ao proibido
sem apegos, indiferentes
na busca de um corpo quente
 
Oh, elas buscam um corpo quente
como quem bebe o carpe diem
das pequenas e doces coisas
deste rio que passa,
e me convida para navegar