Panóptico

terça-feira, 8 de março de 2011

POESIA-PANFLETO (por Pirro)

(By Charles Burns - album Brick by Brick, de Iggy Pop)
 “Mostrai-vos sempre prontos a falar sem rebuços e os pulhas vos evitarão” (William Blake).
 
I

 Vou farejando 
                minha idéia fixa,
  como um cão vagabundo
em busca de um pedaço
de osso carnudo
pelas ruas de domingo
                           no bairro
então me bato com vocês, pigmeus de deus,
              que me dizem olá e me estendem a mão.
Eu falo um bom dia, um boa noite
               feito diabo dissimulado
               e acredito realmente
               que vocês vão com a minha cara.
Vejo em todos a imagem
                       de pregos metidos a martelo!
seus espíritos parecem uma manada
                no comodismo de suas pastagens:
        schincariol, pagode, axé, deus, Jesus cristo.
Suas crenças são alegrezinhas e falíveis,
seus partidos se espatifam nos esgotos
        de suas assembléias e conspirações,
             suas mulheres estão depressivas
         e vocês estão nervosos.
Se viciaram demais em suas drogas morais
          acabaram se intoxicando
          e ficaram atrofiados.
Seus sacerdotes e mandatários
           querem envenenar a Terra, o corpo,
           as coisas, as casas tranqüilas,
           os homens e mulheres sadias
com os decretos-leis
           de suas neuroses e pessimismos.
Eu sei que por trás de ternos
           e casacos de veludo deles
          existe um homem morto
                       com sua fé e sua verdade,
que desiludidos tentam recompor
             os cacos de seus ídolos
          numa cruzada criminosa contra a vida.
Que por isso se castram a si próprios
                      e estão pagando um alto preço.
Vocês desejam o céu e ele cheira a sangue:
                      creio que os santos vão chegar lá
                      numa bela sexta-feira santa sem datas.

II

E enquanto vocês enchem a cabeça
                  com mil toneladas de tolices,
estou dançando cheio de vida e vinho
             chupando a manga suculenta
             de minha puta mais atilada
             em qualquer lugar do mundo,
             aceitando os meus prós e os meus contras.
E como sou um animal político
   e adoro minha máscara,
vamos continuar dizendo olá
                          apertando a mão com jeito
   e encenando um feliz carnaval... ou ano novo.
Ouçam senhores da bondade,
               sacerdotes do amor e da democracia,
eu sei o que estimo e aprecio na vida!
               por isso vou como barco seguro
               saboreando a fúria do vendaval
               e o deslizar do Rio São Francisco:
                            sim, sei curtir minha onda.
Vocês, benfeitores da humanidade
            seguem ditando suas regras e modas
            como num comboio de carros luxuosos
            com potência de 600 cavalos
                               e não-sei-que-das-quantas
            desembestando suas angústias
                                pelos bulevares do mundo.
Como vocês fazem tempestade
                    num copo d’água!
E como são desconfiados e esquivos
                    por trás do paraíso
                                  de seus shopping centers!
Sem dúvida, vocês progrediram
                    e inventaram a modernidade
                                                 e o sexo virtual.
Eu os saúdo e alegro-me com vocês –
                    afinal, somos filhos do século XXI.
Contudo, meus chapas
                            vocês bestificaram o espírito
e ele não enxerga mais seus feitos
                  demasiados humanos:
a Terra o corpo o sangue o suor a sexualidade a cultura
as corporações químicas-fisiológicas-materiais-tecnológicas:
tudo argila sagrada de nossas mãos,
ó animal entre os animais!
No entanto, vocês são filhos do pecado
                             aprisionados na camisa de força
                             de seu tristíssimo deus.
Por isso condenam a vida terreno-mundana
                                 das mulheres masofogosas
                                 e de homens que as levam no colo,
receitando o veneno injuriado para os pequenos moralistas
                         que parecem molambos em cima do muro.
Quando é que vocês arrancarão os farrapos de deus
                       e se tornarão aristocratas do espírito?
Quando deixarei de ouvir suas lamentações
                       de Jeremias sentimentais
                       e de diabinhos arrependidos?

III

De qualquer modo vamos continuar dizendo olá
                       enquanto eu sigo minhas veredas
                       andando com o Velho Whitman,
                       Buk, Miller, Fante, Fonseca
                        e com todos os meus velhos camaradas
trocando com vocês cartas, fichas, moedas
                     e afetos que não podem ser pronunciados.
Vocês continuam vagando com seus paradigmas
                     tateando a cruz dos pessimistas neuróticos;
e eu pegarei o coletivo da vida
                   e seguirei tranqüilo
                   respirando a leveza dos pardais vadios
                   porque me tornei meu quando e meu onde:
agora existo e o momento é tudo,
a Terra é o seu sentido e dele me apossei.
É dela o meu corpespírito, sua plantação
                e colheita, alimentação e eletricidade
                amores violentos, trepadas e renascimentos.
Sou eu meu próprio deus e meu próprio demônio.

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